Ensino
Terça-feira, 06/03/2012
Ilustração Raisa Terra/Gazeta do Povo
Currículo maior nem sempre é melhor
Inclusão de novas matérias no currículo escolar pode abarrotá-lo e colocar em risco o conteúdo tradicional
Publicado em 06/03/2012 | Anna Simas
Desde
o começo de 2011 tramita no Congresso Nacional um projeto de lei que
obriga a inclusão da Educação Ambiental e da Educação no Trânsito como
disciplinas obrigatórias no ensino fundamental e médio de todas as
escolas públicas e privadas do país. Outras 250 propostas de mudança
curricular também aguardam a aprovação dos parlamentares. A grande
quantidade de projetos levanta a discussão sobre a qualidade da formação
na educação básica diante de um currículo abarrotado de conteúdo.
Se
de um lado acredita-se que assuntos relevantes à sociedade precisam ser
levados à sala de aula – já que a escola costuma ser apontada como
solução para os problemas –, do outro, o inchaço curricular pode
acarretar na redução da carga horária de disciplinas básicas como
Português, Matemática e História, o que pode fazer falta na formação
do estudante.
Interdisciplinaridade
Método influencia o aprendizadoA discussão sobre a inclusão de novos conteúdos na escola, principalmente temas atuais, levanta um debate maior sobre o objetivo da educação formal. Ou seja, que tipo de pessoa a escola quer formar e quais são seus limites e seu papel. Educadores garantem que não é uma discussão simples. Prova disso é que a reestruturação escolar é debatida há anos pelo Ministério da Educação (MEC) e pelo Conselho Nacional de Educação (CNE).
A professora do curso de Pedagogia da Universidade Positivo (UP) Ivana Cristina Lima de Almeida acredita que o primeiro passo é a definição de qual currículo se deseja ter hoje e de que forma ele é aplicado. Se for aquele que atende às demandas da sociedade, o melhor seria o modelo interdisciplinar, opção da maioria das instituições de ensino do país que prevê o diálogo entre as disciplinas. Mas existem outros dois modelos, um considerado ultrapassado, o pluridisciplinar, e o visto como ideal, mas difícil de ser alcançado, o transdisciplinar.
O primeiro trabalha várias disciplinas que não precisam dialogar entre si. Era o modelo tradicional de currículo antes da lei que implantou os temas transversais no currículo. Já a transdisciplinaridade vai além da interdisciplinaridade, pois é a interação máxima entre as disciplinas, proporcionando um novo conhecimento. (AS)
Temáticas
Veja quais são os temas transversais mais discutidos em sala de aula:Implantados em 1997
Ética, Saúde, Meio Ambiente, Orientação Sexual e Pluralidade Cultural.
Implantados a partir de 2007
Música, Cultura Afro Brasileira, Cultura Indígena, Filosofia, Sociologia, Artes e Direito da Criança e do Adolescente.
Para a secretária municipal da Educação do Rio de Janeiro,
Claudia Costin, o impacto no currículo básico é comprometedor, pois são
os conteúdos tradicionais que dão ao aluno a capacidade de escrita,
espírito crítico, investigação e raciocínio lógico – a base para que o
estudante seja capaz de analisar e refletir sobre qualquer outro
assunto. “No Brasil, a carga horária fica entre quatro e cinco horas por
dia, o que é muito pouco. Com mais disciplinas, teríamos de reduzir o
tempo das que existem ou entrar em outra questão complicada: a educação
integral para dar conta de tudo”, diz.
Outro aspecto que Claudia acredita ser um problema é a quantidade de
analfabetos funcionais no país: 20% dos brasileiros, segundo o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Se não há nem o domínio
da leitura e da escrita, o ideal é que se invista nisso e não em novos
conteúdos que talvez nem sejam compreendidos sem o domínio das
capacidades básicas.
Temas transversais
O que se faz hoje em grande parte das escolas do país é a inclusão de
temas transversais em outras disciplinas, não como uma nova. Desde
1997, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) incorporou os
chamados temas transversais – Ética, Saúde, Meio Ambiente, Orientação
Sexual e Pluralidade Cultural – em todas as disciplinas existentes,
ficando a cargo de cada escola abordar o tema de acordo com seu projeto
pedagógico.
As escolas do Paraná adotam essa interdisciplinaridade, abordando os
temas ao longo do ano. “Nós acreditamos que estes assuntos não estão
descolados dos tradicionais e por isso não devem ser disciplinas
isoladas”, explica a coordenadora o de Ensino Fundamental do
Departamento de Educação Básica da Secretaria de Estado da Educação
(Seed), Eliane Bernardi Benatto.
Entretanto, desde 2007, foram propostos sete novos conteúdos – como
Cultura Afro-Brasileira e Indígena e Direitos das Crianças e dos
Adolescentes –, que também foram incluídos como parte dos conteúdos
tradicionais. As escolas tiveram de encaixá-los sem estender a carga
horária. “Neste caso, podemos cair em um problema que é o da hipertrofia
escolar e, com ela, ter de manter a concentração e atenção do aluno, o
que nem sempre é fácil”, comenta a professora do curso de Pedagogia da
Universidade Positivo (UP) Ivana Cristina Lima de Almeida.
Novos temas têm de estimular a reflexão
Educadores temem que os assuntos transversais se tornem parte de
projetos utilitários e deixem de fazer parte de discussões amplas e
reflexivas, como seria o ideal. “O perigo é o aluno discutir um tema
buscando só a solução para um único problema e não pensá-lo de forma
reflexiva e abrangente”, diz a coordenadora da Integração das
Licenciaturas da Universidade Tuiuti do Paraná (UTP), Marlei Malinoski.
Porém, a ideia de um único projeto envolvendo todas as disciplinas
com temas transversais não é completamente rejeitada. Algumas escolas
acreditam na sua eficácia. Na escola do Serviço Social da Indústria
(Sesi), por exemplo, a cada bimestre um tema da atualidade é escolhido
pelos professores para que os alunos reflitam sobre ele. “Nós
acreditamos que as oficinas dão condição ao aluno de dialogar,
interpretar, analisar e negociar conflitos”, explica a gerente de
Operações Inovadoras do Sesi, Lilian Luitz.
Autonomia
Outra questão é a autonomia que as escolas têm para tratar os
assuntos, já que não há um modelo curricular definido como nas
disciplinas tradicionais. Nas escolas estaduais, por exemplo, um tema
pode ter mais destaque do que outro, dependendo da necessidade dos
alunos e da comunidade.
Essa percepção fez com que o Colégio Estadual Pinheiro do Paraná,
em Curitiba, decidisse trabalhar em 2011 o tema respeito e
valorização do espaço físico. A diretora Maria Rigonato Vanei conta
que, diante da falta de cuidado de alguns alunos com o espaço escolar e
da ausência de valores de cidadania, o assunto foi encaixado em
todas as disciplinas. “Não significa que os outros [temas] sejam
deixados de lado, mas é uma questão de enfoque para responder às
necessidades da comunidade escolar. Os temas transversais, como
conteúdo e não como disciplina, permitem isso”.
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