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Professor de Língua Portuguesa na Rede Estadual de Ensino - Governo do Paraná

terça-feira, 20 de março de 2012

Último ano para a velha escrita


Ilustração: Felipe Mayerle /
REFORMA ORTOGRÁFICAProfessores e alunos ainda trabalham as novas regras para assimilar as mudanças trazidas pelo acordo firmado entre os países de língua portuguesa.
A partir de 1.º de janeiro de 2013, quem escrever “idéia”, “vôo” ou “mini-saia” estará oficialmente cometendo um erro de ortografia. No Brasil, o prazo de adaptação às novas regras trazidas pelo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa acaba neste ano e, embora apenas 0,5% do vocabulário usado pelos brasileiros tenha sido afetado, as mudanças ainda não foram completamente assimiladas por estudantes e professores.
O documento foi assinado em 1990 por Brasil, Portugal, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Mo­­çambique e São Tomé e Prín­cipe, com adesão de Timor-Leste em 2004. Modificações posteriores e a falta de consenso entre os países adiaram a promulgação definitiva das mudanças em 17 anos. Quando a última versão do acordo foi finalmente aprovada, em 2008, o governo brasileiro estabeleceu o período de quatro anos para que a sociedade se habituasse à nova ortografia e todos os livros didáticos da rede pública de ensino fossem atualizados.
Reação europeia
“Abrasileiramento” gera críticas
Em Portugal, embora o prazo para adaptação à nova ortografia seja mais extenso – até 2015 –, as críticas ao acordo por parte de editoras e escritores são notoriamente mais intensas. A Associação Portuguesa de Editores e Livreiros já manifestou publicamente sua preocupação quanto ao possível enfraquecimento das editoras portuguesas nos países africanos e acusa o Brasil de fazer pressão pela unificação.
Outra entidade relevante no setor, a Associação Portuguesa de Linguística, chegou a pedir por meio de nota a suspensão do acordo, alegando que o documento não foi “objeto de análise técnica rigorosa”.
Expressão
Articulistas contrários à mudança difundiram nos meios de comunicação a expressão “abrasileiramento da escrita” para se referir ao acordo ortográfico, argumentando que o número de vocábulos alterados em Portugal (1,6%) é maior do que no Brasil (0,5%), deixando o idioma unificado mais próximo da versão brasileira.
A modificação mais polêmica entre os portugueses foi a abolição das consoantes mudas em palavras como “óptimo” ou “facto”, usadas em grande quantidade de termos comuns ao vocabulário do cotidiano. (JDL)
Escolas de todo o país trabalham as mudanças ortográficas desde a promulgação, mas a falta do hábito de consultar dicionários e outras fontes gramaticais parece ser uma das causas do pouco domínio das novas regras. “A maior dificuldade dos meus alunos está no uso do hífen. Isso só se aprende checando a forma certa a cada vez que surge a dúvida”, diz a professora de Produção de Texto do Colégio Acesso Suzelei Carvalho Rosales. Ela conta que ainda vê a grafia de algumas palavras com estranheza e precisa ser cuidadosa ao corrigir redações. “Eu sinto falta do trema e do acento circunflexo para diferenciar palavras. Alguns detalhes ainda não são naturais para mim.”
O professor Élio Antunes, do Curso Expoente, reforça a tese de que o grande vilão do acordo ortográfico é o uso do hífen. “Num ditado, a cada cinco palavras que digo, meus alunos erram três por não saber se vai ou não hífen”, conta. Segundo Antunes, é mais comum os vestibulandos optarem por escrever outras palavras que não precisem de hífen do que se empenhar em aprender a norma de uso.
O impacto da mudança tem mais efeito sobre alunos do 5.º ao 9.º ano do ensino fundamental. Alfabetizados com a ortografia antiga, eles tiveram de deixar para trás as normas que haviam aprendido há pouco tempo e aderir às novidades ainda no tempo escolar, usando alguns livros atualizados e outros com edições anteriores ao acordo.
Rede pública
De acordo com a prefeitura de Curitiba, professores, educadores e secretários que trabalham na rede municipal de ensino recebem capacitação específica para as novas regras ortográficas há três anos. “Em 2009, promovemos cursos com carga horária [total] de 12 horas sobre ortografia, todos os dias da semana, nos três períodos do dia”, conta Simone Müller, coordenadora de Língua Portuguesa no Depar­­tamento de Ensino Fundamental da Secretaria Municipal de Edu­cação. Em 2010 e 2011, os cursos continuaram em menor frequência. Neste ano, nenhum encontro ocorreu, mas oportunidades de­­vem ser abertas no segundo se­­mestre.
Na rede estadual, a Secretaria de Estado da Educação informou que o tema é tratado em todos os encontros de formação para professores desde 2009 e que equipes para orientação metodológica são mantidas nos Núcleos Regionais de Educação.
Serviço
No site www.portugues.seed.pr.gov.br há uma seção específica sobre o acordo ortográfico, com as principais mudanças e ferramentas para trabalhar o assunto em sala de aula.
Falta de prestígio da língua motivou o acordo
Embora defensores do acordo ortográfico listem uma série de benefícios que justificam a unificação do português usado em todos os países lusófonos, especialistas envolvidos no debate afirmam que a motivação principal seria o aumento do prestígio da língua portuguesa diante de instituições internacionais, como a Organização das Nações Unidas. Mesmo sendo a sexta língua com o maior número de falantes no mundo, as traduções de documentos internacionais frequentemente deixam a versão portuguesa em segundo plano, privilegiando idiomas como francês, alemão ou italiano – todas com número de falantes inferior ao português.
Duas grafias
Segundo a doutora em Estudos Linguísticos e professora do curso de Letras na Pontifícia Univer­sidade Católica do Paraná Angela Mari Gusso, essa discriminação ocorre porque a língua portuguesa é até hoje a única no mundo ocidental com duas grafias oficiais diferentes. “Isso gera uma série de problemas porque todo texto traduzido para o português, na verdade, precisa ser traduzido duas vezes: uma para o português europeu e outra para o português brasileiro”, considera.
A professora explica que o surgimento de duas versões distintas do mesmo idioma ocorreu porque, no passado, Brasil e Portugal fizeram modificações por conta própria, sem acordos que mantivessem a unidade linguística. “Quando o Brasil adotou o trema, por exemplo, Portugal não o fez. E os países africanos acompanharam a versão europeia”, conta. Na opinião de Angela, logo que a unificação for concluída, as traduções para o português tendem a se tornar mais frequentes.

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