Todo mundo se vê diante desta questão crucial. Veja alguns pontos que o ajudarão a respondê-la.
Hoje é o dia da mentira, essa personagem tão onipresente nas relações sociais. E resolvemos nos perguntar: é possível viver sem mentir? Quase em coro, a maioria dos entrevistados para esta matéria tascou um redondo “não”. “Seria insuportável viver em um mundo onde as pessoas dissessem 100% a verdade o tempo todo”, disparou o coordenador do curso de Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Jelson Oliveira.
É mesmo difícil imaginar, de uma hora para outra, todos se transformando em Fletcher Reede, personagem de Jim Carrey no filme O Mentiroso, cujo filho tem o desejo atendido de que seu pai não minta por um dia. As confusões em que ele se mete, ainda que exageradas para dar tom à comédia, poderiam ser a tônica das “novas” relações. “Seu cabelo ficou horrível”, diria alguém, prontamente recebendo uma resposta igualmente mal-educada da outra parte. “Não fui à sua festa porque achei que seria uma chatice”, seria o início de outra conversa.
Não, o professor da PUCPR não está fazendo apologia à balela – embora classifique as ditas mentiras “brancas” como “charmosas”. “A cortesia está muito baseada em uma certa utilidade da mentira.” Há uma terceira categoria de embuste, que Oliveira chama de moral, condenável. “É quando se busca o próprio interesse. Inventamos sobre nós para nos favorecer e sobre o outro para prejudicá-lo. Deixa de ser uma atividade criativa e afeta o bem comum. A verdade, até onde se é capaz disso, é sempre preferível”, afirma o filósofo.Mas o coordenador do curso de Filosofia da PUCPR sustenta sua posição de várias maneiras. Para começar, ele diz que a mentira pode ser entendida como manifestação artística. “A imaginação é a possibilidade de criar mundos ilusórios para que a vida fique mais divertida”, diz Oliveira. Sim, a arte é necessária e não deixa de ser uma ilusão. Até aí, poucos hão de discordar. Mas o que o filósofo diz a seguir é perturbador. “Nós pouco sabemos a verdade sobre a existência. Nas relações humanas, pouco sabemos quem somos, quem é o outro.” E, mesmo que tentemos perseguir a verdade, qual seria? “Ela mesma é uma pequena mentira, uma criação do ser humano.”
Por mais que se defendam as vantagens das pequenas lorotas, quase nunca quem diz uma tem boas intenções. Isso fica óbvio quando o mentiroso procura tirar algum tipo de proveito. Mas será que quando dizemos aquelas meias verdades, omitimos ou amenizamos para não desagradar o outro não estamos mentindo para nós mesmos? “Muitas vezes é porque não queremos que a pessoa fique aborrecida conosco. Nos protegemos porque não queremos ser repreendidos, criticados”, afirma o psicólogo Carlos Esteves, especialista em Análise do Comportamento. De uma maneira ou de outra, todo mundo quer ser aceito.
Dizer uma mentira para não desagradar alguém, no entanto, é uma das formas de autoengano que cometemos muito, o tempo todo. O mesmo vale para alguém que acha que está ludibriando o outro quando, na verdade, o embromado é a própria pessoa. Isso ocorre, por exemplo, com o “espertalhão” que gosta de iludir e enganar achando que leva vantagem. O psicólogo e psicoterapeuta Dionísio Banaszewski dá um exemplo: “Quem tem dois relacionamentos, não tem nenhum. A pessoa não vai conseguir se aprofundar em nenhum deles e acoberta sua incompetência para estabelecer uma relação mais efetiva”.
Conforme o especialista, quem tem esse tipo de comportamento sempre “cai do cavalo”. Banaszewski cita Freud e o conceito de ato falho. “O consciente vai fazer mentir, mas o inconsciente sempre é verdadeiro. De alguma forma, vai trazer a verdade à tona.” Para o psicoterapeuta, as pessoas mentem “por não ter equilíbrio ou a maturidade para enfrentar suas verdades. Isso sempre em cima de algum tipo de complexo, como de inferioridade ou impotência”.
Sinceridade
E como lidar com as pequenas saias justas diárias sem lançar mão da falsidade? “Tudo pode ser dito. Há maneiras de ser gentil mesmo com diferentes opiniões”, garante Silmara Leite Ribeiro Santos, coordenadora do curso de Etiqueta Corporativa e Social do Centro Europeu. Declinar de um convite não exige uma desculpa esfarrapada. “É melhor dizer ‘eu gostaria muito de ir, agradeço sua lembrança, mas não estou em um bom dia e gostaria de ficar em casa. Espero que você compreenda’. Isso mostra o quanto o convite é importante e denota sinceridade.” Muito melhor do que inventar uma reunião de trabalho de última hora e ser desmascarado.
Aos pais, optar pela verdade é ainda mais importante. “A criança não faz essa distinção entre a mentira ‘branca’ e qualquer outra”, afirma a psicóloga sistêmica familiar Tatiana Centurion. Por isso, quem tem filhos deve sempre prestar atenção em suas atitudes diante deles.
Toda postura, porém, tem dois lados, lembra Silmara Santos. “Ou a pessoa vai ser admirada porque fala o que pensa, ou os outros vão se afastar porque não querem ouvir a verdade.” É um risco. Que não está descartado no caso de quem vive “amenizando” as coisas. “Quem mente de maneira indiscriminada causa um afastamento social. As pessoas se distanciam porque o relacionamento não é consistente”, adverte o psicólogo Carlos Esteves.
Dá para viver sem mentir?
Confira o que algumas pessoas responderam:
E você, acha que dá para viver sem mentir? Conte para o Viver Bem!
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