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sexta-feira, 1 de junho de 2012

Obstáculos judiciais dificultam adoção por casais homoafetivos no Brasil


Arquivo pessoal /
INFÂNCIA

São raros os casos de pessoas do mesmo sexo que conseguem adotar uma criança em conjunto, quando os dois nomes saem na certidão.

Quando Airton e Marcos chegaram em casa com os dois futuros filhos adotivos – na segunda visita antes de a adoção ser efetivada –, o mais velho olhou para eles e perguntou: “quando é que poderei chamar vocês de pai?”. Airton imediatamente respondeu: “Pode chamar já, porque acreditamos que vai dar tudo certo com o nosso processo”. Henrique, na época com 9 anos e 3 meses, saiu pela casa gritando “pai, pai, pai”.
Hoje, Airton Gonçalves de Oliveira e Marcos Antonio Scopel Buffon já vivem com os irmãos Henrique e José Guilherme há dois anos em Porto Alegre. Mas a história dos quatro ainda é um exemplo pouco comum na Justiça brasileira. Ainda são raros os casos de pares homoafetivos (como são chamados casais homossexuais) que conseguiram adotar em conjunto, quando o nome de ambos sai na certidão de nascimento do filho.
Família feliz e regularizada
Airton (à esquerda) e Marcos decidiram adotar depois de 17 anos vivendo juntos. Entraram com o pedido e, em um ano, realizaram o sonho de ter filhos. “Pedimos uma ou duas crianças com até 5 anos. Um dia nos ligaram dizendo que tinha uma de 4 anos, mas que o irmão estava com 9. Mesmo assim, decidimos conhecê-los e não deu outra. Ficamos juntos”, diz Airton.
Ele e o companheiro não tiveram problemas com a Justiça e o processo correu sem contestações. “Aqui no Rio Grande do Sul o assunto está mais avançado. Porém, incentivo que todos façam o pedido, porque não tem como tirar o preconceituoso do lugar onde está se não enfrentá-lo.” O filho mais velho, Henrique, está mais alto que os pais, segundo Airton, e vai com eles feliz para a escola. “Quem espera muito para adotar é porque quer criança recém-nascida. Mas isso não é garantia de nada. Nossos filhos são exemplares.” (PM)
Opção sexual
Pesquisas mostram que não há diferença na evolução dos filhos
Pesquisas mundo afora têm demonstrado ser falsa a ideia de que crianças criadas e educadas por homossexuais seguiriam também essa opção sexual. A afirmação é da pesquisadora e psicóloga Lídia Weber, que analisou dados empíricos coletados em outros países e concluiu, ao observá-los, que não existe diferença no desenvolvimento da criança se ela for criada por um casal hetero ou homossexual. “Quebraram-se mitos como aqueles que dizem que homossexualidade se pega por convivência”, aponta.
Um estudo conduzido por três pesquisadores norte-americanos, dois deles da Universidade da Virgínia, investigou o desenvolvimento de crianças adotivas em 106 famílias, 56 delas encabeçadas por casais homosexuais e 50 por heterossexuais. Publicada em 2010, a pesquisa mostrou que, segundo os relatos de pais e professores, de modo geral as crianças estavam se comportando de forma típica.
Lídia lembra que alguns estudos indicam que provavelmente a criança passe por mais preconceito por estar em uma família homoafetiva, mas, segundo ela, não é por isso que a adoção deve ser proibida. “É apenas uma questão de educação. A criança criada por homossexuais se desenvolve, tem autoestima e vivência escolar como as outras.”
Preconceito
Segundo a psicóloga, o próprio preconceito contra os adotados deve ser combatido. Ela cita o caso recente do filme Os Vingadores, que relacionava a vilania de um personagem ao fato de ele ter sido adotado. “Precisamos lutar contra isso.” (PM)
12 anos
é a idade estipulada pelo Ministério Público do Paraná para uma criança decidir se quer ou não ser adotada por um casal homoafetivo.
Obstáculos
Quais são as barreiras que impedem a adoção por pares homoafetivos?
As cartas selecionadas serão publicadas na Coluna do Leitor.
Em Curitiba, por exemplo, existem quatro casais homossexuais habilitados para adotar, mas, por enquanto, eles ainda estão na fila de espera ou em processo de adaptação com os novos filhos. Há outros dois casais que esperam ser habilitados.
Consentimento
R.P.* e seu companheiro são um dos pares que conseguiram a habilitação: a decisão chegou recentemente, mas não sem sofrimentos. O processo dele e de seu companheiro, conforme explica o advogado do casal, Paulo Nalin, foi questionado em ação impetrada pelo Ministério Público do Paraná.
O promotor defendeu que a adoção só poderia ocorrer com o consentimento da criança, que deve ter mais de 12 anos de idade, e se for do sexo oposto. O caso foi parar no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e neste ano a corte deu ganho de causa ao casal, com adoção sem restrições. Agora os dois estão na expectativa de conseguir o tão desejado filho.
Apesar de R.P. defen­der que a Justiça se mostrou preconceituosa, a juíza da 2ª Vara da Infância e da Juventude de Curitiba, Maria Lúcia de Paula Es­píndola, considera a visã­o equivocada. “A Justiça sempre teve papel importante na proteção dos direitos da minoria. Reforço que desde que estou na Vara [2009] não houve qualquer restrição a esses pedidos”, afirma.
É difícil saber quantos casais homossexuais, no Paraná e no Brasil, conseguiram adotar em conjunto, até porque a permissão depende de cada Vara da Infância e Juventude e não há dados compilados a respeito. Provavelmente o primeiro caso de adoção em conjunto no Paraná está em Cascavel e ocorreu em 2010 (não foram encontrados outros casos no estado). O juiz que julgou a causa, Sergio Luiz Kreuz, ressalta que aquele foi o único processo do tipo em que atuou. Já no Brasil, o primeiro caso de adoção conjunta foi em 2006, no Rio Grande do Sul.
Um casal homoafetivo pode procurar diretamente a Vara da Infância e da Juventude para se habilitar à adoção. Durante muito tempo, porém, a grande dificuldade enfrentada pelos pares homossexuais foi a interpretação distinta de juízes e promotores sobre as leis existentes. Um exemplo é o que exige o Estatuto da Criança e do Adolescente: a adoção, quando feita por pares, deve ocorrer apenas quando houver união estável. A questão é que muitos operadores do Direito, por mais que o casal homossexual estivesse junto há anos, não reconheciam essa união. O apoio veio no ano passado, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a união homoafetiva como união estável.
Adoções no país são unilaterais
Diante da dificuldade da adoção conjunta, pares homoafetivos se acostumaram a buscar outros caminhos para conseguir realizar o sonho de ter filhos. Normalmente uma das partes, sozinha, entrava com o pedido de adoção e mascarava o fato de ter um companheiro ou companheira.
“Paulatinamente se percebeu que não havia porque não dar a adoção ao par homoafetivo. Pelo contrário, notou-se um prejuízo enorme, porque a criança ficava sem o vínculo jurídico com o outro pai (ou mãe), ficava desassistida, sem direito à pensão alimentícia, à visita e à herança no caso de uma separação”, explica a advogada Viviane Girardi, autora do livro Famílias contemporâneas, filiação e afeto: a possibilidade jurídica da adoção por homossexuais.
Para a juíza Maria Lúcia de Paula Espíndola, da 2.ª Vara da Infância e Juventude de Curitiba, a decisão do STF de reconhecer a união estável só reforçou o que já previa a Constituição. “No meu entender, ao vedar a discriminação por sexo, raça, cor e origem e inserir o princípio de igualdade entre os direitos fundamentais dos cidadãos, a Constituição passou a ensejar a adoção por pessoas homoafetivas e também reconheceu como entidade familiar a união entre pessoas do mesmo gênero”, avalia.
Concentração
Nem todos os operadores do Direito, no entanto, entendem assim. O Ministério Público do Paraná (MP-PR) é um dos órgãos que têm recorrido das ações de adoção por pares homoafetivos, exigindo que a criança dê o consentimento, ou seja, que tenha mais de 12 anos.
O promotor Murillo José Digiácomo, do Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente, destaca que essa não é uma posição geral do MP-PR e que ali há espaço para diversos posicionamentos. “Para mim, o importante é que os casais demonstrem que têm um ambiente familiar adequado e estejam preparados para condições presentes e futuras para a adoção.” Digiácomo lembra que a adoção por homossexuais não é uma questão pacificada e que cada promotor pode defender o seu pensamento.
Viviane Gi­rardi, afirma, porém, que se houver uma negativa de adoção para um casal homoafetivo, claramente por discriminação, eles (ou elas) podem entrar com um processo por causa do preconceito. “E olha que aparecem justificativas ridículas nos processos. Uma vez li uma decisão que dizia que não era possível habilitar as duas mulheres, mas, que se uma delas quisesse se habilitar sozinha, isso seria possível.”

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