Apesar de sofrer de TDAH, Isabela Romanichen, de 8 anos, leva uma vida normal graças ao diagnóstico e tratamento ainda na infância. Na foto, a menina brinca com o irmão Pedro, de 4 anos, e ambos são observados pelos pais Patrícia Mocelin e Cláudio Romanichen
ESPECIALMentes sempre inquietas
Um desafio para pais e professores, o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) tem tratamento e os especialistas garantem: ter uma vida normal é possível.
Desde pequeno parece ligado na tomada. Envolve-se em traquinagens diversas e corre para lá e para cá sem que nada o detenha, nem sequer o perigo. Mas não para por aí. Tem tanta dificuldade em se concentrar que, ao ler um livro, esquece seu conteúdo logo após as primeiras páginas. Além disso, sofre de distúrbios do sono e tem uma mente que viaja na velocidade da luz.
A descrição acima mostra a vida de uma criança que apresenta um dos transtornos infantis mais comuns: a hiperatividade ou Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), como preferem chamar os especialistas, pois a hiperatividade por si só também é um sintoma observado em outros problemas. Segundo pesquisas internacionais, o transtorno atinge de 3% a 5% das crianças no mundo inteiro e, em cerca de 30% desses casos, o distúrbio pode persistir na idade adulta.
A Isa é um doce perigo
Com oito meses de vida, ela ficou de pé e se jogou do berço. Com um ano, caiu da mesa de jantar. Aos dois, quebrou o braço. Aos três, quase ficou cega por ter batido o olho e, a partir de então, quando os acidentes se tornaram cada vez mais frequentes, os pais de Isabela Mocelin Romanichen, hoje com 8 anos, perderam as contas de quantos ela sofreu tanto na escola quanto em casa. Ao mostrar suas cicatrizes, que revelam uma história melhor que a outra, Isabela esbanja sinceridade: “Eu gosto muito do perigo”. Esse comportamento impulsivo, caracterizado principalmente pela falta de noção do perigo, é bastante característico dos hiperativos, situação que os pais de Isabela, a farmacêutica Patrícia Leila Mocelin, 39 anos, e o administrador de empresas Cláudio Romanichen, 46 anos, descobriram apenas quando ela tinha 4 anos e meio. “Desde a gravidez, nós vimos que havia algo de diferente. Ela se mexia demais. Até os médicos reparavam”, diz Patrícia. Porém, como o conhecimento sobre o transtorno era ainda pouco difundido em Curitiba, ela só foi diagnosticada por uma especialista de São Paulo. “Atualmente, Isabela só toma remédio uma vez por dia para ir à aula, caso contrário, é o terror dos professores”, brincam os pais. Apesar do TDAH, seu boletim é de dar inveja e, para ajudar a gastar o tempo e a acabar com a energia, ela pratica tênis e piano, mas já passou por judô, karatê e ginástica olímpica. Segundo o pai, ter uma criança com TDAH é uma situação duplamente difícil. “Em um simples piscar de olhos, apesar de todos os cuidados, um acidente pode ocorrer, e, além disso, não são raras as vezes em que as pessoas não compreendem nossas dificuldades e acabam nos julgando de forma errada, como se não educássemos nossa filha direito”, desabafa. O casal ainda tem um filho, Pedro, de 4 anos, que não sofre de TDAH.
Walter Alves / Gazeta do Povo
Andressa Louise Schlosser Neves, 15 anos, foi diagnosticada há 1 ano e meio com TDAH: após o início do tratamento, melhora no rendimento escolar e menos hiperatividade
Atenção para dar e vender
A empresária Elaini Ilse Schlosser Neves, 49 anos, sabia direitinho o que fazer quando sua filha Andressa Louise Schlosser Neves, hoje com 15 anos, tirava notas baixas nas provas: tirava a chapinha, a maquiagem e – a parte do castigo que mais doía em Andressa – os tênis, que tinham de ser substituídos por odiadas sandálias. “E o baixo rendimento escolar era apenas a ponta do iceberg, pois Andressa não conseguia se concentrar, esquecia do que lia, brigava bastante comigo e com a irmã e era extremamente impulsiva”, conta Elaini. Mas o que se pensava ser preguiça e pura travessura acabou se revelando ser TDAH. Após passar por várias escolas que em nada ajudaram, um colégio foi o grande responsável por identificar o transtorno em Andressa, há pouco mais de um ano. “Depois do tratamento, tudo mudou para mim. Minhas notas melhoraram da água para o vinho e agora consigo me concentrar. Não sou mais tão hiperativa e impulsiva”, relata Andressa, que, para quem não conseguia ler e reter as informações, agora tem a história como sua matéria favorita.
O que fazer
Veja algumas dicas simples que podem fazer toda a diferença no lidar com crianças que têm o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade:
- Aceite as limitações da criança: possivelmente ela sempre será mais ativa que o normal, mas sua hiperatividade pode ser controlada. Paciência e tolerância são as melhores estratégias.
- Providencie uma válvula de escape para a criança liberar o excesso de energia e ocupar o tempo: muitas vezes, a hiperatividade é principalmente mental. Nesse caso, diferentes atividades e esportes são uma boa pedida.
- Mantenha sua casa bem organizada: a rotina e a organização ajudam a criança a agir de modo mais previsível. No geral, garanta que ela durma cedo e alimente-se bem.
- Consulte um profissional habilitado para dar início ao tratamento adequado: o tratamento consiste em diversas etapas e, pode ou não, ser medicamentoso.
O psiquiatra infantil Maurício Nasser Ehlke explica que o TDAH é um transtorno neurobiopsicosocial caracterizado basicamente por impulsividade, desatenção e agitação, que pode aparecer em diversos graus. “No geral, existem três tipos principais: os desatentos e hiperativos, os só hiperativos e os só desatentos”, revela. “E vale lembrar que o TDAH nem sempre vem sozinho. Em pelo menos 70% dos casos, as crianças têm mais algum tipo de transtorno, como o de humor, de conduta ou de ansiedade, por exemplo.”
Genes
O neuropediatra do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Sérgio Antonio Antoniuk conta que muitos estudos mostram tratar-se de uma disfunção cerebral hereditária. “O que acontece nessas crianças se deve a um distúrbio neuroquímico. Os principais neurotransmissores estão presentes em pouca quantidade e a transmissão nervosa entre os neurônios acontece de uma maneira truncada. Por isso, quando o tratamento exige a ingestão de remédio, especificamente o metilfenidato, que tem vários nomes comerciais, o que ele faz é facilitar a transmissão entre as conexões cerebrais”, diz Antoniuk.
Mas a pedagoga Maria Cristina Bromberg alerta: não se trata de um problema cognitivo. “A maioria dos TDAH é extremamente inteligente. O problema geralmente reside na concentração. Devido à agitação, a criança não consegue manter o foco da atenção direcionado. Assim, tem dificuldade para aprender, ouvir e até mesmo olhar”, afirma, com a experiência de quem lida com o tema há pelo menos 22 anos.
Para Maria Cristina, é essencial que as escolas se preparem para receber esses alunos e ajudem na identificação do transtorno, ao invés de se tornar mais um problema para a família. “Muitas vezes, pela grande convivência diária com as crianças, os professores são um dos primeiros a ver que algo na criança é diferente. Por isso, eles têm de ser aliados e não inimigos”, defende.
De acordo com o psiquiatra Leocádio Celso Gonçalves, muitos pais ainda têm de lidar com o preconceito, além de todas as dificuldades que a família enfrenta. “Quando a maior parte da população observa essas crianças, a tendência é culpar os pais pelo comportamento desmedido dos filhos. Como se o comportamento hiperativo fosse resultado da falta de imposição de limites e da má educação”, explica. O psiquiatra também lembra que a tendência do transtorno é melhorar com a idade, diminuindo até a intensidade dos sintomas. “Contudo, quanto antes iniciado o tratamento, mais fácil e rápido pode ser a reversão do quadro”, ressalta.
Hiperatividade X agitação
Mas como saber distinguir se o seu filho é hiperativo ou apenas agitado, como uma criança completamente normal? Isso só os especialistas podem dizer, tendo como base alguns exames e a observação comportamental. Porém, mesmo dentro do mundo médico, existem divergências.
Para o psiquiatra Maurício Nasser Ehlke, existe um superdiagnóstico de TDAH. “É errada a ideia de que agitação e hiperatividade são sinônimos perfeitos. O TDAH traz perturbação à vida familiar, faz o rendimento escolar cair e desgasta as relações sociais. Mas a confusão é frequente porque muitas crianças menores são normalmente agitadas.”
Histórias comoventes de adultos hiperativos
A reunião com todos os gerentes da multinacional para a qual trabalhava estava chata demais. Ele sabia de tudo que estava sendo dito. Por isso, Carlos* não pensou duas vezes e levantou-se da mesa de reuniões para ficar perambulando pela sala. Resultado: ele dormiu em pé por alguns minutos. Hoje, aposentado e com 72 anos, Carlos lembra-se que esta situação constrangedora havia sido um episódio de alerta. Ele tinha algo de diferente. Mais tarde, somente aos 60 anos, descobriu-se que este algo era conhecido por quatro letrinhas: TDAH. “Fui diagnosticado com a desordem muito tarde. Se isso tivesse ocorrido mais cedo, minha vida teria sido diferente. Eu poderia ter cursado uma universidade, por exemplo, mas nunca passava da primeira página dos livros. Eu poderia nunca ter feito uma estripulia que levou meu pai a me dar uma grande surra, pela qual ele nunca se perdoou e eu nunca o perdoei”, conta.
Carlos tomou medicamento (metilfenidato) por bastante tempo, mas hoje encara o golfe como seu principal remédio. “Para jogar, é preciso ter muita concentração. Assim, o jogo acabou se tornando um grande exercício para mim. Minha atenção e foco melhoraram muito depois dessa prática.”
O empresário Adriano*, 40 anos, tinha os mesmos problemas quando se descobriu com TDAH. “Fui atrás do meu transtorno, compreendi seu funcionamento e, além do tratamento, bolei uma série de estratégias para aprimorar meu rendimento no trabalho e nos estudos”, diz. Desde então, ele anota tudo que lhe vem à mente para não esquecer, tem uma agenda mais controlada, pratica alguma atividade que ajude na concentração, como ioga ou esportes, e estuda sempre copiando os trechos que lhe parecem mais importantes.
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