Trabalhar ao lado de quem se ama tanto pode ser um privilégio quanto uma dor de cabeça. Especialistas analisam os prós e os contras dessa situação e dão dicas de convivência.
As flechas do cupido atravessam as janelas da firma e acertam os corações de dois colegas de trabalho. E agora? Muitas empresas desaconselham ou até proíbem essa situação, porém isso ocorre com uma frequência maior do que se imagina, afirma o mestre em administração e consultorMarcelo Maulepes. “As pessoas passam a maior parte do tempo nas empresas, então é natural se apaixonar no trabalho. Só que, nas metrópoles, em empresas grandes, costuma haver uma política de restrição a isso. Nas cidades menores, por outro lado, se as empresas impedirem, elas terão dificuldade para manter seu quadro funcional.”
Para o consultor e colunista da Gazeta do Povo Bernt Entschev, muitas companhias têm razão em tentar limitar os casais de funcionários. “É difícil separar o lado pessoal do profissional. Se você ama, uma hora ou outra você briga e isso pode interferir no trabalho. Além disso, se um chefe despede um dos cônjuges, o outro pode querer ir embora também”, explica Entschev.
Arquivo pessoal
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O casal Délio Canabrava e Renata Ferian divide a cozinha de casa e do trabalho: “O único pacto que criamos é: eu não me meto nos doces dela, e ela não fala dos meus salgados”
Segundo os especialistas, há muitos outros motivos que deixam as empresas em alerta. Há, por exemplo, o risco de um funcionário revelar ao seu cônjuge uma informação sigilosa ou então de que flertes ou relações conturbadas terminem em acusações de assédio sexual.
Hora de assumir
Diante dessas questões, antes de tomar qualquer atitude, um casal recém-formado precisa conhecer bem as regras do local detrabalho. Há corporações como O Boticário, por exemplo, que – segundo a empresa – permitem relacionamentos, desde que não haja relação de subordinação entre os funcionários, e desde que eles trabalhem em equipes distintas.
Outra atitude fundamental é abrir o jogo com ochefe. “Ninguém é bobo e as pessoas percebem certos sinais. Antes que saiam falando coisas sobre o casal, é melhor conversar com o chefe e assumir isso”, aconselha Entschev.
Na empresa Pelissari Gestão e Tecnologia, por exemplo, não há problema quando um casal se assume. Até porque os sócios majoritários da empresa são casados. “Eu e meu marido Rudi (Pelissari) nos conhecemos quando trabalhávamos juntos em outra empresa, e depois montamos a nossa. Hoje somos até padrinhos de casamento de dois funcionários”, conta Vanessa Lisboa, 40 anos, uma das diretoras da Pelissari.
Segunda ela, a existência de casais reforça a permanência dos empregados e deixa um clima familiar positivo no ambiente. No entanto, ela frisa a importância de os apaixonados manterem a discrição. “Até acontece de, às vezes, sem querer, alguém chamar o outro por um apelido carinhoso. Mas, de resto, as pessoas se contêm e nunca houve brigas de casal dentro da empresa.”
Coordenador de escalada da academia Via Aventura, Anderson Gouveia, 35, afirma que um casal que trabalha junto se cobra ainda mais para evitar suspeitas de favorecimento. Por chefiar a esposa, a professora de educação física Ana Paula Gavleta, Gouveia constata: “Ela é cobrada em dobro, para evitar qualquer tipo de comentário”.
O escalador reconhece o privilégio de estar ao lado da amada quase o tempo todo, porém percebe que isso também gera um certo problema. “Se vocês passam quase 24 horas juntos todo dia, quando saem para jantar às vezes até acaba o assunto. Então é importante que cada um possa passar algum tempo sozinho”, diz Gouveia.
Justamente por isso, nas férias do fim de ano, o casal já combinou: ele visitará o monte Aconcágua, na Argentina, enquanto Ana irá para o Nordeste.
Maturidade
O chef de cozinha Délio Canabrava, 41, dono dos restaurantes Cantina do Délio, Canabenta e Estofaria, concorda com Anderson. “É gostoso sentir um pouco de saudade, e quem trabalha junto perde um pouco disso”, diz ele, que compartilha muitos dos seus afazeres com a mulher Renata Ferian, chef de cozinha e dona do café e confeitaria Bella Banoffi. Os dois se conheceram trabalhando em um restaurante em Londres e desde então dividem a cozinha de casa e do trabalho.
Diferentemente de muitos casais que chegam a proibir assuntos de cunho profissional em casa, Délio considera um prazer conversar sobre os restaurantes com a esposa. “O único pacto que criamos é: eu não me meto nos doces dela, e ela não fala dos meus salgados. Aconteceu de brigarmos por causa disso, então aprendemos a lição”.
Na opinião da psicóloga Cleia Oliveira, um casal só consegue lidar bem com a situação de trabalhar junto se tiver “um bom nível de maturidade e for capaz de estabelecer regras de convivência”.
“É uma situação delicada. O ambiente de trabalho pode gerar ciúmes ou pior ainda: pode acirrar uma inveja e uma competitividade nociva. E, se o casal é dono da empresa, o risco de se misturar o lado íntimo com o profissional é maior”, avalia a psicóloga.
Frente a tantos desafios, cada um deve inclusive avaliar se, por ventura, é melhor alguém trocar de emprego para preservar a relação. E se a decisão final é a de continuar trabalhando junto, Cleia aconselha: mantenha a paixão ainda mais acessa, para que ambos não terminem como meros colegas dentro de casa.