Pesquisadores dos EUA deixaram a ciência mais perto da criação de novas drogas para tratar problemas para dormir e desordens do funcionamento do organismo.
Uma boa noite de sono é o desejo de muita gente que mal consegue colocar a cabeça no travesseiro no fim do dia. No Brasil, segundo um levantamento feito por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), aproximadamente 66% da população apresenta alguma dificuldade para dormir. Contudo, o problema já está na mira de vários cientistas e há chances de que, daqui a não muito tempo, todos esses impedimentos não passem de um sonho. Pesquisadores do Instituto Salk de Estudos Biológicos (EUA) deixaram a ciência mais perto da criação de novas drogas para tratar problemas de sono e desordens do metabolismo.
Em um estudo publicado na revista norte-americana Nature eles revelaram que dois comutadores celulares conhecidos como REV-ERB-α; e REV-ERB-ß, encontrados no núcleo das células de ratos, são essenciais para manter normais os ciclos de sono e alimentação. Durante a pesquisa, ratos que tiveram os comutadores retirados tinham altos níveis de gordura e açúcar no sangue, problemas comuns em pessoas com distúrbios metabólicos.
Com a descoberta, os estudiosos passaram a acreditar ser possível criar uma substância capaz de orientar o REV-ERB-α; e o REV-ERB-ß para tratar problemas de sono e metabolismo. Além disso, o achado evidencia mais uma relevante ligação entre o metabolismo do ser humano e o relógio biológico, cientificamente chamado de sistema de temporização, e que tem um papel central para o nosso bem-estar.
Ao sistema de temporização estão ligadas funções de controle da temperatura corporal, o funcionamento digestivo e a vontade que temos de comer e de dormir, por exemplo. “O sistema de temporização, que designa uma rede de osciladores localizada no sistema nervoso e em outros órgãos do nosso corpo, é responsável pela regulação de praticamente todas as funções do organismo”, explica o professor da USP e membro do Grupo Multidisciplinar de Desenvolvimento e Ritmos Biológicos da instituição, Luiz Silveira Menna Barreto.
O coordenador do laboratório de cronobiologia da UFPR, Fernando Mazzilli Louzada, acrescenta que o popular relógio biológico ajuda o corpo a se adaptar ao cotidiano. “Na espécie humana ficamos em repouso à noite. Amanhece e despertamos. Para isso serve o relógio biológico, para que possamos ficar sincronizados com o passar do dia.”
No entanto, o sistema – que varia de indivíduo para indivíduo – não trabalha sozinho. Barreto explica que, para conseguir cumprir todas as suas obrigações e fazer com que o nosso metabolismo funcione corretamente, o sistema se baseia no ritmo circadiano: um mecanismo particular de cada pessoa que tem a duração aproximada de 24 horas e é resultante da interação entre o sistema de temporização com alguns sinais cíclicos do ambiente, como compromissos sociais, oferta de alimento, o dia e a noite.
Segundo a professora do departamento de fisiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) Carolina Virgínia Macedo de Azevedo, o sistema de temporização é ligado ao sistema nervoso e, por isso, é sensível à luz. Além disso, dependendo do horário que recebemos luz, ela pode regular nossos ritmos biológicos (que são as variações no nosso comportamento que se repetem regularmente ao longo do tempo reguladas pelo sistema de temporização) de maneiras diferentes. “Se recebemos luz durante a tarde e a noite, atrasamos nosso ritmo. Se, ao contrário, recebemos durante a madrugada, adiantamos o ritmo”, afirma.
“Ideal seria se o dia começasse ao meio dia”
Você acorda cedo pela manhã depois de longas horas de sono e já está disposto. Toma um banho, prepara o café, lê o jornal e sai empolgado para o trabalho, onde sabe que uma série de reuniões e desafios o esperam. No elevador, encontra seu vizinho, que não parece nem um pouco entusiasmado para enfrentar o dia. E não está mesmo. Durante a noite, ele ficou estudando até altas horas – pois sabe que é neste horário que consegue se concentrar melhor – e tudo o que queria era continuar na cama para descansar.
A pequena história acima pode até ser inventada, mas coincide com a vida de muita gente. Algumas pessoas têm mais capacidade para realizar tarefas depois que o sol aparece, outras preferem produzir sob o desvelo da lua, como é o caso do estudante de Medicina Felipe Fernandes Martins.
“Eu sou uma pessoa que funciona melhor à noite. Quando não estou em aula, durante as férias, feriados, prefiro dormir de manhã e fazer minhas coisas à noite. Agora que estamos em greve e estou fazendo plantões voluntários, percebo também que meus plantões à noite rendem mais que os de durante o dia”, revela.
Essas preferências por levantar cedo ou ir dormir mais tarde têm uma justificativa: elas dependem do cronotipo, uma espécie de identificação das pessoas que permite classificá-las em matutinas, intermediárias e vespertinas, como define o professor da Universidade de São Paulo (USP) e membro do Grupo Multidisciplinar de Desenvolvimento e Ritmos Biológicos da instituição, Luiz Silveira Menna Barreto. As matutinas são aquelas que preferem acordar e dormir cedo. As vespertinas, por sua vez, são as que se encaixam no perfil de Felipe, com preferências para ficar acordado até mais tarde e prolongar as horas de sono durante a manhã. De acordo com um artigo publicado pelo grupo, os indivíduos vespertinos têm o ciclo vigília/sono mais irregular e com baixa eficiência. Além disso, eles ainda são mais propensos a tirar aquele cochilo ao longo dia, pois são mais privados de sono.
Já os indivíduos considerados intermediários representam a grande maioria da população, revela o artigo e, para eles, é mais fácil se ajustar aos horários impostos que para os matutinos e os vespertinos.
Segundo a professora do departamento de Fisiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) Carolina Virgínia Macedo de Azevedo, o fato de vivermos em uma sociedade que é muito matutina acaba prejudicando aqueles que gostariam de ficar na cama até mais tarde. “Os horários sociais privilegiam os matutinos e isso acaba sendo ruim para aqueles que vão dormir tarde da noite. Seria interessante que o vespertino tivesse a disponibilidade de dormir até mais tarde, para manter o período de sono adequado e não ter nenhum problema no futuro.”
Felipe concorda. Para ele, ainda que o dia após uma longa noite de estudos não seja tão prejudicial, ele precisa de, pelo menos, algumas horinhas de sono. “Eu não fico tão cansado, mas preciso dormir. Ideal seria mesmo se meu dia começasse ao meio dia”, diz.