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terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

O que o mundo pode aprender com as escolas da Finlândia


Terça-feira, 28/02/2012
Entrevista

 

Pasi Sahlberg, ativista pelo melhoramento das escolas e diretor de um centro de estudos vinculado ao Ministério da Educação da Finlândia
Publicado em 28/02/2012 | Agência O Globo
No “ranking” do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) 2009, aplicado em 65 países pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a Finlândia alcançou o 3.º lugar. O país chama a atenção não só pelos bons resultados, mas por apresentar um modelo diferente dos outros líderes do levantamento: China e Coreia do Sul.
No lugar de toneladas de exercícios e de um ritmo frenético de estudo, há pouco dever de casa na Finlândia e a maior preocupação é com a qualidade dos professores e dos ambientes de aprendizado. Não há avaliações periódicas padronizadas de alunos e docentes, que não recebem remuneração por desempenho. E todo o sistema escolar é financiado pelo Estado.
Pisa
Brasil tem muito a ser melhorado
O Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) é hoje o principal exame para medir a qualidade da educação no mundo. As provas são aplicadas a cada três anos, desde 2000. Os resultados de 2009, sua última edição, mostraram o Brasil em uma situação delicada: no 53º lugar entre 65 países.
Com 401 pontos (em uma escala que vai até 800), o país ficou bem abaixo da média dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (496) e atrás de Trinidad e Tobago, Bulgária, México e Turquia. Contudo, mesmo negativo, o resultado representou uma evolução significativa. Em relação a 2006, o Brasil subiu 33 pontos, uma melhora que só foi menor do que as de Chile e Luxemburgo. Em 2000, o país amargou a lanterna na classificação, que na época incluía 45 nações.
O Pisa avalia três áreas do conhecimento: Leitura, Matemática e Ciências. Os resultados são classificados em seis níveis, sendo 1 o pior e 6 o melhor. Em Leitura, apenas 0,1% dos estudantes brasileiros alcançaram o nível 6, enquanto em Ciências nenhum estudante alcançou esse nível. Em Matemática, o resultado brasileiro, 386 pontos, ficou abaixo até da meta estabelecida pelo Ministério da Educação (MEC), de 395.
Entre os estados brasileiros, o melhor resultado foi do Distrito Federal, com média geral de 439 pontos, seguido por Santa Catarina (428), Rio Grande do Sul (424), Minas Gerais (422) e Paraná (417).
No exterior
Já a Finlândia atingiu a marca de 536 pontos em Leitura, 541 em Matemática e 554 em Ciências – média geral de 543 pontos. Entre os 10 países mais bem colocados no “ranking”, cinco são asiáticos (China, Coreia do Sul, Cingapura, Japão e Hong Kong), dois ficam na Oceania (Austrália e Nova Zelândia), um nas Américas (Canadá) e dois na Europa (Finlândia e Holanda).
Em seu livro, Finnish lessons: what can the world learn from educational change in Finland? (em uma tradução livre, Lições finlandesas: o que o mundo pode aprender com a mudança educacional na Finlândia?), Pasi Sahlberg, diretor de um centro de estudos vinculado ao Ministério da Educação daquele país, diz que o magistério é a carreira mais popular entre os jovens e que a transformação no Brasil deve começar pela igualdade de acesso a um ensino de qualidade. Leia os principais trechos da entrevista:
A Finlândia ocupa a 3.ª posição no “ranking” do Pisa. No entanto, nem sempre foi assim. Quando começou a transformação na educação finlandesa?
A grande transformação do sistema educacional finlandês começou no início da década de 1970, quando foi criado o sistema de ensino obrigatório de nove anos. Todas as crianças do país passaram a estudar em escolas públicas parecidas e de acordo com o mesmo currículo nacional. O principal objetivo desse modelo era igualar a oportunidade de acesso a uma educação de qualidade e aumentar o nível educacional da população. Assim, a reforma educacional não foi guiada pelo sucesso escolar e, sim, pela democratização do acesso a escolas de qualidade. Esse movimento continuou nos anos 1990, com a necessidade de uma população mais preparada para o mercado de trabalho.
Quais foram as bases da revolução educacional finlandesa? Quais são seus pontos fortes?
O compromisso da sociedade finlandesa pela igualdade de acesso a uma educação de qualidade foi decisivo. A Finlândia, com seus 5 milhões de habitantes, não pode perder nenhum jovem. Todos precisam ter uma educação de qualidade. Os pontos fortes do sistema finlandês são o foco nas escolas, para que elas possam ajudar as crianças a ter sucesso; educação primária de alta qualidade, que dê uma base sólida para as etapas seguintes do aprendizado; e a formação de professores em universidades de ponta, que tornaram a profissão uma das mais populares entre os jovens finlandeses.
No Brasil, muitas políticas públicas sofrem com a falta de continuidade. Isso acontece na Finlândia? O que fazer para garantir a continuidade?
A Finlândia manteve uma política pública estável desde a década de 1970. Diferentes governos nunca tocaram nos princípios que nortearam a reforma, apenas fizeram um ajuste fino em alguns pontos. Essa ideia de uma escola pública de qualidade para todos os finlandeses foi um consenso nacional construído desde a Segunda Guerra Mundial. É o que no livro eu chamo de “sonho finlandês”.
O mundo parece buscar uma fórmula mágica para a educação. Existe uma válida para todos?
Não, não existe nenhuma fórmula mágica nem um milagre secreto na educação finlandesa. O que fizemos melhor do que outros países foi entender qual é a essência do bom ensino e do bom aprendizado. As crianças devem ser vistas como indivíduos que têm diferentes necessidades e interesses na escola. Ensinar deve ser uma profissão inspiradora com um grande propósito de fazer a diferença na vida dos jovens. Infelizmente, esses princípios básicos deram lugar a políticas regidas pelo mercado em vários países. Essa lógica de testar estudantes e professores direcionou os currículos e aumentou o tédio em milhões de salas de aula. A fórmula para uma reforma da educação em muitos países é parar de fazer essas coisas sem sentido e entender o que é importante na educação.
O que foi feito na Finlândia e que poderia ser reproduzido em outros países em desenvolvimento, como o Brasil?
A pergunta deve ser o que é possível aprender com a experiência finlandesa, não reproduzir. Primeiro, a experiência da Finlândia mostrou que é possível construir um modelo alternativo àquele que predomina nos Estados Unidos, na Inglaterra e em outros países. Reformas guiadas pelo mercado, com foco em competição e privatizações, não são a melhor maneira de melhorar a qualidade e a equidade na educação. Segundo, é importante focar no bem-estar das crianças e no aprendizado da primeira infância. Só saudáveis e felizes elas aprenderão bem. Terceiro, a Finlândia mostrou que igualdade de oportunidades também produz um aumento na qualidade do aprendizado. É preciso que o Brasil combata essa desigualdade de acesso. Só um plano de longo prazo para a educação e compromisso político possibilitarão que os resultados sejam alcançados.
Os professores ocupam um papel importante no sistema finlandês. Como prepará-los bem? Um salário atrativo é importante?
Professores são profissionais de alto nível, como médicos ou economistas. Eles precisam de uma sólida formação teórica e treinamento prático. Em todos os sistemas educacionais de sucesso, professores são formados em universidades de excelência e possuem mestrado. O salário dos professores deve estar no mesmo patamar de outras profissões com o mesmo nível de formação no mercado de trabalho. Também é importante que professores tenham um plano de carreira, com perspectivas de crescimento e desenvolvimento.
No Brasil, poucos jovens são atraídos pelo magistério. A carreira atrai muitos jovens na Finlândia?
O magistério é uma das profissões mais populares entre os jovens finlandeses. Todo ano, cerca de um a cada cinco alunos que terminam o ensino médio tem a carreira como primeira opção. Há dez vezes mais candidatos para programas de formação de docentes para educação infantil do que vagas nas universidades. A Finlândia tem o privilégio de poder controlar a qualidade dos professores na entrada e depois garantir que só os melhores e mais comprometidos serão aceitos nessa profissão nobre.
A inclusão das novas tecnologias nas salas de aula vem sendo muito debatida. Como você vê esse processo? Como isso é feito na Finlândia?
Tecnologia é parte das nossas vidas e é usada nas escolas finlandesas. Professores na Fin­­lândia usam tecnologia para ensinar de maneiras muito diferentes. Alguns a utilizam muito e outros raramente. A tecnologia é uma ferramenta, mas o foco continua sendo na pedagogia entre pessoas, sem tecnologia. A tecnologia não deve guiar o desenvolvimento educacional e, sim, ser uma ferramenta como várias outras.
Retomando o título do seu livro, quais são, afinal, as principais lições do sistema de educação finlandês?
A mais importante das lições é que há uma alternativa para se chegar ao sucesso prometido por reformas guiadas pelo mercado. A Finlândia é o antídoto a este movimento que impõe provas padronizadas, privatização de escolas públicas e remunera os professores com base em avaliações de desempenho que se tornou típico em diversos sistemas educacionais pelo mundo.

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