Equipe internacional de pesquisadores completa o
sequenciamento do DNA humano mais antigo já coletado de uma múmia. O
genoma revela a origem genética e as características físicas de um homem
da Idade do Cobre assolado por doenças atuais.
Por: Sofia Moutinho
Publicado em 29/02/2012
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Atualizado em 29/02/2012
Ötzi, o homem do gelo, teria tido olhos castanhos, saúde
debilitada e deixado descendentes na região italiana onde hoje é a
Sardenha. (foto: South Tyrolean Museum of Archaeology)
Um homem na casa dos 40 anos, de pele branca, cabelos e olhos
castanhos, com problemas cardíacos, intolerância à lactose e uma doença
provocada por um parasita do carrapato. A descrição, que poderia ser de
qualquer indivíduo moderno, é resultado da interpretação do genoma de
Ötzi, o homem do gelo,
mais antiga múmia humana a ter seu DNA sequenciado. O código genético
pré-histórico, de cerca de 5.300 anos, pode ajudar a compreender a
evolução e a expansão do homem na Terra.
Ötzi, que viveu no período Calcolítico, ou Idade do Cobre (3000-1800
a.C.), foi descoberto em 1991 por um casal de alpinistas alemães na
parte italiana dos Alpes Ötztal – daí o nome. Desde então, está em
exibição no Museu Arqueológico do Tirol do Sul, em Bozano, Itália.
A equipe internacional de pesquisadores responsável pela análise do DNA do homem do gelo, iniciada em 2010 e publicada ontem (28/2) na revista Nature Communications, usou uma mostra recolhida do osso do quadril da múmia para destrinchar a sua história.
Para detectar características físicas e propensões genéticas do
homem, os pesquisadores se basearam na análise de Snps. Esses marcadores
genéticos são originados na troca de um par de base nitrogenada durante
a transcrição do DNA – por exemplo, uma sequência que deveria ser ATCG,
por erro, vira ATGG.
Essas variações de base nitrogenada, que são passadas de geração para
geração, nem sempre têm implicações para quem as carrega, mas podem
determinar algumas características físicas, a presença ou risco de
desenvolvimento de doenças e também a etnicidade, já que se tornam
típicas de determinados grupos humanos que conviveram por muito tempo.
Na análise do DNA de Ötzi, os pesquisadores
identificaram marcadores relacionados ao risco de doenças coronarianas e
à intolerância à lactose.
Na análise do DNA de Ötzi, os pesquisadores identificaram Snps
relacionados ao risco de doenças coronarianas e à intolerância à
lactose. Uma tomografia feita na múmia confirmou: o homem do gelo tinha
sinais de calcificação no coração próprios de quem sofreu de
arteriosclerose.
“A predisposição a doenças cardiovasculares é considerada uma
característica do homem moderno e chamada de doença da civilização”, diz
Albert Zink, líder da pesquisa e antropólogo molecular do Instituto do Homem do Gelo e Múmias. “Com o genoma de Ötzi, sabemos que as mutações genéticas que levaram a isso já estavam presentes há mais de cinco mil anos.”
A intolerância à lactose do homem do gelo também diz muito sobre a
evolução e a saúde humana. Zink explica que a capacidade do homem de
beber leite depois de adulto sem ter problemas só surgiu depois da
domesticação de animais leiteiros na Europa. O período preciso da
mudança ainda é incerto, mas o genoma de Ötzi oferece mais uma pista.
“Na época de Ötzi, era provável que as pessoas ainda fossem
majoritariamente intolerantes à proteína do leite”, explica. “E essa
evidência é mais uma das contribuições da pesquisa. É importante
investigar o marcador genético associado a essa característica para
entender como e quando essa mudança tão significativa ocorreu.”
Junto ao DNA do homem do gelo, os cientistas encontraram ainda o material genético do parasita Borrelia burgdorferi, causador da doença de Lyme.
Transmitida pela picada de carrapatos, a enfermidade, diagnosticada
apenas no século 18, provoca desde sintomas leves, como irritação
cutânea, até mais graves, como distúrbios neurológicos.
Esse é o registro mais antigo da doença e pode ajudar a explicar
estranhas marcas encontradas na pele de Ötzi. Alguns arqueólogos
acreditam que as pequenas linhas tatuadas no homem eram uma forma antiga
de tratamento, uma espécie de acupuntura pré-histórica ocidental, e a
doença de Lyme poderia ser o alvo dessa terapia.
Origem revelada
Depois de terminar o sequenciamento do genoma de Ötzi, os
pesquisadores utilizaram bancos de dados e programas de computador para
comparar o DNA da múmia com o de humanos modernos.
O material genético do homem do gelo foi confrontado com amostras de
mais de 1.300 europeus, 125 indivíduos de populações africanas e 20
pessoas do Oriente Médio. Mas só apresentou marcadores compatíveis com o
DNA de europeus, mais especificamente de pessoas que vivem na ilha
italiana Sardenha.
O material genético do Homem do Gelo apresentou marcadores compatíveis com o DNA de europeus, mais especificamente sardenhos
Zink explica que os marcadores genéticos de ancestralidade
compartilhados pela múmia e pelos sardenhos pertencem a um grupo de
humanos que teve origem no Oriente Próximo, região que abrange o
sudoeste asiático e os países mediterrâneos, e foi introduzido na Europa
durante o período Neolítico (10.000-6.000 a.C.).
“Hoje, esses marcadores genéticos são muito raros e só são
encontrados em áreas isoladas como as ilhas de Córsega e Sardenha”, diz
Zink. “Em outros lugares, esse grupo foi substituído por outras
populações.”
A pista genética é compatível com as teorias arqueológicas correntes
sobre o homem do gelo, segundo as quais ele teria vivido em algum
povoado próximo ao Mar Tirreno – parte do Mar Mediterrâneo que se
estende ao longo da costa oeste italiana – e depois migrado para os
Alpes.
Segundo o líder do estudo, a identificação da origem genética de Ötzi
pode ser útil ainda para estudos mais aprofundados sobre a expansão do
homem antigo na Terra.
“Embora o genoma de um só indivíduo seja pouco para refazer a
história demográfica humana, a presença desse grupo específico na Itália
no início da Idade do Cobre traz novos elementos para futuras pesquisas
que visem entender as migrações da época, especialmente o fluxo entre
as comunidades alpinas e mediterrâneas.”
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