Mary Neide Damico Figueiró, psicóloga e autora do livro “Educação sexual no dia a dia”.
“De onde vim e como fui parar na barriga da minha mãe?” Quem tem filho sabe que essa é uma das primeiras perguntas embaraçosas a que os pais são submetidos. E como respondê-la sem apelar ao recurso da cegonha ou da plantação de repolhos? Para a psicóloga e professora universitária Mary Neide Damico Figueiró, o ideal é contar a verdade, sempre.
No livro Educação sexual no dia a dia, lançado no início do mês, Mary Neide narra situações do cotidiano e analisa pontos positivos e falhos no comportamento do adulto ao lidar com as dúvidas de crianças e adolescentes sobre sexualidade. O livro surgiu a partir das experiências relatadas por educadores da rede pública de ensino nos Grupos de Estudos Sobre Educação Sexual (GEES), um projeto de extensão criado em 1995 pela psicóloga, na Universidade Estadual de Londrina (UEL).
O livro pretende ensinar os fundamentos básicos da educação sexual para pai, mãe, educadores e estudantes de graduação. Nele, vou entremeando os fatos com a teoria da educação sexual. Trabalho questões como: quando a criança pergunta, devemos só responder o que ela perguntou? Eu já digo que não precisa ser isso, eu posso esticar a conversa. Se eu vejo que a criança está interessada, eu posso fazer um diálogo, conversar um pouco mais.Qual o objetivo do livro?
E se deve responder sempre com a verdade?
Sempre. Quando o adulto não sabe, ou está com dificuldade, é melhor ele dizer: “desculpa, eu não consigo te explicar, em outro momento te explico”, ou “vou me informar”. Mas não enrolar ou mentir. Se o adulto não explica, a criança, insatisfeita, vai atrás da resposta. Hoje as crianças têm a internet e podem perguntar aos amigos. E, normalmente, o jeito que o amigo explica é mais malicioso. Não é uma explicação de uma sexualidade tranquila, positiva. Se a criança faz a pergunta, ela tem o direito de ter a resposta.
A senhora diz que a vida sexual é para “gente grande”. O que define isso é a idade?
Não tem uma idade específica para que a gente fale “é a partir de agora, a partir dos 15, dos 14 anos, dos 18”. É muito difícil e não cabe a nós estabelecermos. Mas acho que, assim como a criança não vai trabalhar quando é pequena, ter uma vida sexual a dois também exige um mínimo de idade e maturidade, tanto física quanto psicológica. O que fazemos na educação sexual é trabalhar com os adolescentes, ensiná-los a pensar, a refletir sobre esses temas, para que eles se preparem.
Na escola, como o professor faz para explicar questões sobre sexo sem que isso se choque com crenças familiares?
A professora tem que adotar o conhecimento científico, oportunizar que os alunos possam trocar ideias, refletir sobre o tema. Óbvio, a criança vai ter valores que a família defende e tudo vai fazer parte de uma discussão na sala de aula. Com o tempo, a criança vai amadurecendo e escolhendo os seus próprios valores.
E as questões de gênero, de diversidade sexual, como o professor pode tratar o assunto em sala de aula?
Esse é um tema que eu trato no livro. Eu explico o que é homossexual, o que é travesti. Falo porque as pessoas são homossexuais, o que é uma pergunta constante. São questões que fazem parte da nossa realidade e é natural que a criança queira entender. E ela precisa entender, para aprender a respeitar. Vejo que a professora precisa trabalhar muito as questões de gênero, de igualdade, para combater o racismo, o sexismo, que é essa divisão estanque “homem faz isso, mulher faz aquilo”. A educação sexual requer uma luta pela igualdade dos sexos, que deve ser trabalhada com as crianças desde a infância.
Como a educação sexual é tratada nas grades curriculares? Existe uma disciplina específica ou deveria existir?
Desde 2006, o MEC criou os Parâmetros Curriculares Nacionais, os chamados PCNs. E eu acho a proposta deles excelente, que é de tratar o tema de forma transversal, perpassando cada disciplina. Não é só o professor de Ciências que pode falar sobre isso, mas o de História também, trabalhando questões de gênero e igualdade em relação a homem-mulher. Uma professora de Geografia, que vai estudar estatísticas, pode estudar estatísticas de aborto, de nascimentos entre meninas adolescentes, fazer um gancho e abrir um espaço pra conversar.
E essa abordagem está funcionando na prática?
Acho uma iniciativa feliz, mas não está sendo aplicada. O Paraná, principalmente, foi contra o PCN. A documentação própria do Paraná colocou todo o ensino da sexualidade dentro de Ciências novamente. Acho uma pena. Conheço duas professoras de Matemática que se destacaram muito porque eram procuradas espontaneamente pelos alunos, para tirar dúvidas sobre sexualidade. Se os alunos rendessem bem, elas reservavam uma aula por semana para conversar sobre o tema. E aí os alunos tiveram um rendimento em Matemática muito maior do que em outras turmas.
Esse comportamento dos alunos, por exemplo, demonstra uma carência de falar sobre sexualidade em casa?
Esse é um ponto fundamental, que eu batalho bastante com os professores. Vamos imaginar que a gente tenha uma sala de 40 alunos de sétima série, e que todos tenham em casa uma educação sexual nota 10 com os pais. Então, eles não precisam que a escola trabalhe esse assunto? Errado. A escola precisa falar sobre isso mesmo assim. Porque na escola tem algo que não tem em casa e que é fundamental na educação sexual: os colegas, a diversidade de opiniões. Você não educa sexualmente sem isso. Você doutrina, se quiser. Mas, para educar, tem que abrir diálogo para discussões.
Nenhum comentário:
Postar um comentário