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quarta-feira, 20 de março de 2013

Enem dá nota máxima a erros de português



Felipe Lima
Felipe Lima /
DESCASO

Enem dá nota máxima a erros de português

Estudantes conquistam a melhor nota na redação apesar de cometer falhas graves de ortografia, pontuação e concordância verbal e nominal.
“Rasoavel”, “enchergar”, “trousse”. Esses são alguns dos erros de grafia encontrados em redações que receberam nota 1.000 no Exame Nacional de Ensino Médio 2012 (Enem). As incorreções aparecem em uma amostra de 30 textos com a pontuação máxima, com a comprovação das notas pelo Ministério da Educação (MEC) e a confirmação pelas universidades federais em que os estudantes foram aprovados. Além desses absurdos na língua portuguesa, várias redações continham graves problemas de concordância verbal, acentuação e pontuação. Apesar de seguirem a proposta do tema “A imigração para o Brasil no século XXI”, os textos não respeitavam a primeira das cinco competências avaliadas pelos corretores: “demonstrar domínio da norma padrão da língua escrita”.
Segundo o “Guia do participante: a redação no Enem 2012”, produzido pelo MEC, os 200 pontos na competência 1 são atingidos apenas se “o participante demonstra excelente domínio da norma padrão, não apresentando ou apresentando pouquíssimos desvios gramaticais leves e de convenções da escrita. (...) Desvios mais graves, como a ausência de concordância verbal, excluem a redação da pontuação mais alta”.
Critérios
Apenas 1,1% dos candidatos do Enem 2012 obteve nota acima de 900 na redação, segundo o MEC. Confira quais são as cinco competências avaliadas pelos corretores. Cada uma delas vale 200 pontos:
- Competência 1: demonstrar domínio da norma padrão da língua escrita. Requisitos básicos do texto dissertativo-argumentativo: ausência de marcas de oralidade e de registro informal, precisão vocabular, obediência às regras gramaticais de concordância nominal e verbal, regência nominal e verbal, pontuação, flexão de nomes e verbos, colocação de pronomes átonos, grafia das palavras, acentuação gráfica, emprego de letras maiúsculas e minúsculas e divisão silábica na mudança de linha (translineação).
- Competência 2: entender a proposta de redação e aplicar conceitos das várias áreas de conhecimento, para desenvolver o tema dentro dos limites estruturais do texto dissertativo-argumentativo.
- Competência 3: selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista.
- Competência 4: demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a construção da argumentação.
- Competência 5 : elaborar proposta de intervenção para o problema abordado, respeitando os direitos humanos.
Conivência?
O que você acha da falta de exigência na qualidade das redações do Enem? Você concorda com a justificativa do MEC de que os erros devem ser suportados pelo fato desses alunos estarem “ainda em processo de letramento na transição para o nível superior”?
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  • O manual aponta, entre os desvios mais graves, erros de grafia, acentuação e pontuação. Na mesma redação em que figura a grafia “rasoavel”, palavras como “indivíduos”, “saúde”, “geográfica” e “necessário” aparecem sem acento. E ao menos dois períodos terminam sem o ponto final.
Em outro texto, aparecem problemas de concordância verbal, como no trecho “os movimentos imigratórios para o Brasil no século XXI é (sic)”. O mesmo candidato, equivocadamente, conjuga no plural o verbo haver no sentido de existir em duas ocasiões: “É fundamental que hajam (sic) debates” e “de modo que não hajam (sic) diferenças”.
Uma terceira redação nota 1.000 apresenta a grafia “enchergar” e problemas de concordância nominal. Em outro texto, além da palavra “trousse”, há ausência de acento circunflexo em “recebê-los” e uso impróprio da forma “porque” na pergunta “Porém, porque (sic) essa população escolheu o Brasil?”.
Justificativa
Perguntado sobre a análise dos textos, o Inep, órgão do MEC responsável pelo Enem, alegou que não comenta redações, “por respeito aos participantes, a vista pedagógica é dada especificamente a quem prestou o exame”. Segundo o Inep, “uma redação nota 1.000 deve ser sempre um excelente texto, mesmo que apresente alguns desvios em cada competência avaliada. A tolerância deve-se à consideração, e isto é relevante do ponto de vista pedagógico, de ser o participante do Enem, por definição, um egresso do ensino médio, ainda em processo de letramento na transição para o nível superior”.
Sobre os critérios usados na correção da redação do Enem 2012, estabelecidos pela coordenação pedagógica do exame, a cargo de professores doutores em Linguística da Universidade de Brasília (UnB), o Inep informa que a análise do texto é feita como um todo. Segundo a nota, “um texto pode apresentar eventuais erros de grafia, mas pode ser rico em sua organização sintática, revelando um excelente domínio das estruturas da língua portuguesa”.
Especialistas lamentam a falta de exigência dos corretores
Dar notas máximas para textos com erros graves de português é prejudicial para os alunos, confirmam especialistas. A prática fomenta a acomodação dos alunos e os impede de reconhecer as diferentes nuances do idioma.
“A atribuição injusta do conceito máximo a quem não teve o mérito estimula a banalização do uso da língua portuguesa, impedindo nossos alunos de falar, ler e escrever reconhecendo suas variedades linguísticas. Além disso, provoca a formação de profissionais incapazes de se comunicar e de decodificar o próprio sistema da língua portuguesa”, aponta Jerônimo Rodrigues de Moraes Neto, pós-doutor em Linguística Aplicada e professor da UFRJ e da Uerj.
Cláudio Cezar Henriques, professor titular de Língua Portuguesa do Instituto de Letras da Uerj, reitera que, ao ingressar na universidade, esses alunos terão de se ajustar às normas da língua de prestígio acadêmico se quiserem se tornar profissionais capacitados. Ele observa que a banca corretora não usa o termo “erro”, mas “desvio”, algo que, segundo ele, é “eufemismo da moda”.
“A demagogia política anda de braço dado com a demagogia linguística. É preciso lembrar que as avaliações oficiais julgam os alunos, mas também julgam o sistema de ensino. Na vida real, redações como essas jamais tirariam nota máxima, pois contêm erros que a sociedade não aceita”, lamenta.
Ex-corretor de redação do Enem e professor do Colégio Militar de Porto Alegre, Osvaldo Viera chegou a fazer um desabafo no Facebook criticando a correção. Segundo Viera, os coordenadores do consórcio Cespe/UnB, que treina os avaliadores, orientavam que ele não fosse tão rigoroso. Integrante da banca corretora de redação do vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) há dez anos, Viera não foi mais aceito na do Enem.
“A coordenadora dizia que eu precisava ser menos crítico e corrigir mais rápido. Não fui mais chamado porque pesei muito a mão. Mas recebia redações que, muitas vezes, eu não identificava como sendo em língua portuguesa, tamanha a desconstrução sintática e os erros ortográficos. Não há como aceitar erros de norma culta numa redação. Esse é o caminho que o MEC deveria seguir”, recomenda Viera.

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