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Professor de Língua Portuguesa na Rede Estadual de Ensino - Governo do Paraná

terça-feira, 26 de março de 2013

Receita de redação


Cristovão Tezza

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Receita de redaçãoVirou piada nacional a redação do Enem que, incluindo uma receita de miojo entre a introdução e a conclusão, acabou aprovada pelos corretores. Esse é um tema que assanha o humor nacional – na terra de analfabetos letrados e iletrados, rir alto da desgraça alheia, aluno ou professor, é o melhor remédio.

Antes, porém, de atacar o aluno debochado, os corretores, o método ou a logística do Enem, seria bom voltar os olhos a esse dinossauro didático das aulas de Português que vem resistindo há séculos como exemplo cristalino do texto ornamental ou linguagem inútil: a célebre “redação escolar”. É um gênero que não serve para rigorosamente nada, e não tem nenhum uso concreto na vida real do estudante – dá-se um tema, com ou sem texto de apoio, o que é irrelevante, e convida-se a vítima a “desenvolver” três ou quatro parágrafos sobre ele.

O que se quer avaliar? Ora, o domínio que o aluno tem da língua padrão do português escrito no Brasil, o que inclui um conjunto bastante complexo de habilidades, indo da capacidade de leitura, pressuposto fundamental, às ferramentas técnicas da frase escrita (coesão entre as partes, uso de relatores, adequação vocabular etc.). Não são as “ideias”, essa nuvem vaga e sem contorno que costuma alimentar a “redação escolar”, o que de fato interessa, mas o domínio técnico da escrita. E, para que tal avaliação seja minimamente objetiva, é preciso implodir o velho modelo. Pedir a um estudante que escreva um resumo em 50 palavras de um texto de duas páginas dirá muito mais sobre a sua competência que 30 “redações escolares”. Uma resposta em um parágrafo a uma questão específica sugerida por um texto ou uma imagem exigirá mais e melhor dele que três parágrafos de encheção de linguiça. Ou de uma receita de miojo – tanto faz.Nascida para “tirar nota”, a redação escolar é um convite irresistível ao lugar comum, ao chavão, à frase feita, à platitude. As frases se emendam sem rumo, em direção à mágica última linha, que dará fim ao suplício e, com sorte, uma boa nota. A prova de redação nunca sabe o que quer avaliar – fala-se em “concatenação de ideias”, “adequação ao tema”, ou algo esotérico semelhante, e depois contam-se os erros ortográficos, como quem cata milho no texto, de onde sai uma nota rezada mais pela apreensão intuitiva do conjunto que por qualquer cálculo específico. A “redação escolar” é uma herança retórica de um tempo em que uma velha “arte literária” pautava a suposta qualidade do texto. Foram-se os ornamentos, mas ficou o modelão encarquilhado que inferniza a vida dos alunos em milhões de testes de escolaridade pelo país afora.
A propósito: a melhor prova de Língua Portuguesa do Brasil vem sendo feita pelos exames da Universidade Federal do Paraná há mais de uma década. Não faria mal o Enem dar uma olhada no nosso modelo.

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