A expansão das universidades federais aumentou as matrículas e o quadro de professores nas instituições mantidas pelo governo, mas pouco ou nada contribuiu para melhorar um dos principais indicadores de produtividade no ensino superior: a quantidade de alunos por docente nos cursos de graduação.
Consideradas apenas as turmas presenciais, a proporção oscilou negativamente de 11,2 para 11 alunos por professor, no período de 2001 a 2011, conforme o censo do Ministério da Educação (MEC).
Foi justamente por considerar essa taxa baixa que o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu prazo de cinco anos para que as universidades federais atingissem a média de 18 alunos por docente. Lula fez isso em 2007, ao lançar um programa bilionário de investimentos destinados a ampliar a rede federal de ensino superior.
Naquele ano, o MEC informou que a proporção de estudantes por professor era de 10 para 1, menor até do que a verificada em 2001.
A exigência de aumento do número de alunos por professor foi incluída no decreto de criação do Reuni (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), que estipulou a marca de 18 estudantes por docente.
A medida seria uma contrapartida das universidades à liberação de novos recursos. Ou seja, o governo daria mais dinheiro em troca de maior produtividade.
O mesmo decreto, porém, encarregava o MEC de estabelecer parâmetros para o cálculo da proporção de alunos por professor.
O argumento era o de que não se poderia simplesmente dividir o número de alunos pelo de docentes, como faz o censo da educação superior, uma vez que não se deve atribuir o mesmo peso a profissionais com carga horária distinta: dedicação exclusiva, 40 ou 20 horas semanais. Sem falar nos professores que lecionam em cursos de mestrado e doutorado, atendendo turmas necessariamente menores e desenvolvendo pesquisas.
Sem alarde, uma comissão estabeleceu critérios que, na prática, anularam o objetivo enunciado no decreto de Lula. Afinal, a aplicação desses parâmetros resultou numa proporção média de 17,91 alunos por professor já em 2007. Ou seja, no momento em que o governo sinalizava a intenção de atingir a "meta global" de 18 estudantes por docente, a fórmula de cálculo definida pelo ministério já praticamente fazia o serviço.
Em 2011, essa proporção era de 17,93, dois centésimos mais elevada. Em 2010, havia atingido 19,78; em 2009, 18,7; e em 2008, 17,86.
Já o censo da educação superior apresenta números diferentes. Em 2011, considerados os cursos presenciais e a distância, a taxa era de 12,2 alunos por docente, ligeiramente maior do que os 11,2 registrados em 2001.
Na época do lançamento do Reuni, o material de divulgação do MEC considerava taxas calculadas com base no censo da educação superior, sem qualquer ponderação: "Quanto à relação professor-aluno, a idéia é que cada instituição possa se planejar, autonomamente, para que atinja a meta de 18 alunos por professor. Hoje, essa relação é de dez por um", diz texto divulgado no portal do ministério em dezembro de 2007.
O Reuni faz parte de um conjunto de ações lançadas no governo Lula para expandir e levar as universidades federais para cidades do interior. De 2007 a 2011, o número de ingressantes em instituições federais de ensino superior subiu de 193,9 mil para 308,5 mil, um incremento de 59%. A quantidade de professores também cresceu de 56,4 mil para 71,2 mil (+ 26%). Os gastos do MEC com as universidades federais refletem a expansão: em valores corrigidos pela inflação, a despesa total passou de R$ 15,2 bilhões, em 2007, para R$ 25,9 bilhões, em 2012.
O secretário de Educação Superior do Ministério da Educação (MEC), Amaro Lins, diz que o Reuni é um sucesso. Ele informa que só a partir de 2014 a maioria dos cursos criados pelo programa estará completa, isto é, com turmas em todos os semestres (dos calouros aos formandos). Segundo Lins, isso aumentará a proporção de alunos por professor. Tal movimento, no entanto, será contrabalançado pela contratação já autorizada de mais 7,8 mil professores.
- O acordo previa que o governo iria investir. E as universidades mais do que dobraram o número de alunos de graduação. Ampliou-se também a pós-graduação, contribuindo para formar professores de educação básica. A produção de conhecimento também aumentou muito.
Segundo o secretário, o Reuni vive uma fase de consolidação. Ele aposta que a gestão e a produtividade crescerão nos próximos anos. A redução do número de professores substitutos, de 9 mil para 3,6 mil, entre 2003 e 2012, é outro fator positivo destacado por Lins. Para ele, a relação de alunos de graduação por professor, a chamada RAP, já é satisfatória:
- Sim, é satisfatória para o estágio que nós estamos, concluindo um processo de consolidação da expansão. A expectativa é que tenhamos um ganho de eficiência daqui para a frente.
Amaro Lins defende a fórmula definida pela comissão, da qual faziam parte reitores de universidades federais. Ele próprio é ex-reitor da Universidade Federal de Pernambuco e foi presidente da Associação Nacional de Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). Segundo Lins, o cálculo não pode ignorar os regimes de trabalho diferenciados nem a atuação dos docentes nos cursos de pós-graduação. Ele lembra que a pesquisa científica no Brasil é realizada majoritariamente nas universidades federais.
Na contramão do MEC, o Andes-Sindicato Nacional, entidade que representa professores, defende uma proporção mais baixa do que a atual, isto é, de 8 alunos por docente. A professora de enfermagem da Universidade Federal Fluminense (UFF) Elizabeth Carla Barbosa, que integra a coordenação do grupo de política educacionais do Andes-Sindicato, diz que boa parte das contratações de professores anunciadas pelo governo servem apenas para repor vagas de aposentados.
- O que a gente vivencia na universidade, no nosso cotidiano, é uma precarização de trabalho muito grande. No curso de enfermagem do pólo da UFF em Rio das Ostras, nosso projeto indica 46 professores. Hoje somos 21 e ganhamos mais oito vagas. Então, seremos 29, quando deveríamos ser 46.
Elizabeth critica a expansão financiada pelo MEC, pois considera que não foram tomadas medidas para garantir a qualidade dos cursos. Ela reclama da falta de infraestrutura, criticando o fato de que o pólo em Rio das Ostras funciona numa escola primária cedida pela prefeitura, já que a sede da universidade não está pronta:
- A gente fica sem água, sem luz. E usa contêineres como salas de aula. A sala dos professores é um contêiner. Um absurdo.
Assessor da reitoria da Universidade Federal de Goiás, o professor de pós-graduação em educação Nelson Cardoso Amaral critica a meta global de 18 alunos por professor estipulada no decreto do Reuni. Segundo ele, não há referências internacionais que justifiquem tal número.
Amaral cita o relatório Education at a Glance de 2011, da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que aponta a média de 14,9 alunos por professor na educação terciária de seus países-membros. Ele lembra que a proporção verificada nas universidades privadas brasileiras (19,1), bem como na média geral do país (16,1), supera essa marca.
"O sistema público brasileiro – principalmente as Ifes (instituições federais de educação superior) e as estaduais paulistas – USP, UNESP e UNICAMP – não podem elevar muito mais as suas relações aluno/professor, considerando-se que a pós-graduação e a pesquisa brasileira estão concentradas nessas instituições, o que impede uma maior elevação do quantitativo de estudantes em suas turmas, tanto de graduação, quanto de pós-graduação. Ressalte-se que boa parte das instituições privadas não possuem pós-graduação stricto sensu e mesmo assim, o indicador em análise não ultrapassa a marca de 20 alunos por professor", escreveu Amaral.
Procurado, o presidente da Andifes não foi localizado.
Consideradas apenas as turmas presenciais, a proporção oscilou negativamente de 11,2 para 11 alunos por professor, no período de 2001 a 2011, conforme o censo do Ministério da Educação (MEC).
Foi justamente por considerar essa taxa baixa que o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu prazo de cinco anos para que as universidades federais atingissem a média de 18 alunos por docente. Lula fez isso em 2007, ao lançar um programa bilionário de investimentos destinados a ampliar a rede federal de ensino superior.
Naquele ano, o MEC informou que a proporção de estudantes por professor era de 10 para 1, menor até do que a verificada em 2001.
A exigência de aumento do número de alunos por professor foi incluída no decreto de criação do Reuni (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), que estipulou a marca de 18 estudantes por docente.
A medida seria uma contrapartida das universidades à liberação de novos recursos. Ou seja, o governo daria mais dinheiro em troca de maior produtividade.
O mesmo decreto, porém, encarregava o MEC de estabelecer parâmetros para o cálculo da proporção de alunos por professor.
O argumento era o de que não se poderia simplesmente dividir o número de alunos pelo de docentes, como faz o censo da educação superior, uma vez que não se deve atribuir o mesmo peso a profissionais com carga horária distinta: dedicação exclusiva, 40 ou 20 horas semanais. Sem falar nos professores que lecionam em cursos de mestrado e doutorado, atendendo turmas necessariamente menores e desenvolvendo pesquisas.
Sem alarde, uma comissão estabeleceu critérios que, na prática, anularam o objetivo enunciado no decreto de Lula. Afinal, a aplicação desses parâmetros resultou numa proporção média de 17,91 alunos por professor já em 2007. Ou seja, no momento em que o governo sinalizava a intenção de atingir a "meta global" de 18 estudantes por docente, a fórmula de cálculo definida pelo ministério já praticamente fazia o serviço.
Em 2011, essa proporção era de 17,93, dois centésimos mais elevada. Em 2010, havia atingido 19,78; em 2009, 18,7; e em 2008, 17,86.
Já o censo da educação superior apresenta números diferentes. Em 2011, considerados os cursos presenciais e a distância, a taxa era de 12,2 alunos por docente, ligeiramente maior do que os 11,2 registrados em 2001.
Na época do lançamento do Reuni, o material de divulgação do MEC considerava taxas calculadas com base no censo da educação superior, sem qualquer ponderação: "Quanto à relação professor-aluno, a idéia é que cada instituição possa se planejar, autonomamente, para que atinja a meta de 18 alunos por professor. Hoje, essa relação é de dez por um", diz texto divulgado no portal do ministério em dezembro de 2007.
O Reuni faz parte de um conjunto de ações lançadas no governo Lula para expandir e levar as universidades federais para cidades do interior. De 2007 a 2011, o número de ingressantes em instituições federais de ensino superior subiu de 193,9 mil para 308,5 mil, um incremento de 59%. A quantidade de professores também cresceu de 56,4 mil para 71,2 mil (+ 26%). Os gastos do MEC com as universidades federais refletem a expansão: em valores corrigidos pela inflação, a despesa total passou de R$ 15,2 bilhões, em 2007, para R$ 25,9 bilhões, em 2012.
O secretário de Educação Superior do Ministério da Educação (MEC), Amaro Lins, diz que o Reuni é um sucesso. Ele informa que só a partir de 2014 a maioria dos cursos criados pelo programa estará completa, isto é, com turmas em todos os semestres (dos calouros aos formandos). Segundo Lins, isso aumentará a proporção de alunos por professor. Tal movimento, no entanto, será contrabalançado pela contratação já autorizada de mais 7,8 mil professores.
- O acordo previa que o governo iria investir. E as universidades mais do que dobraram o número de alunos de graduação. Ampliou-se também a pós-graduação, contribuindo para formar professores de educação básica. A produção de conhecimento também aumentou muito.
Segundo o secretário, o Reuni vive uma fase de consolidação. Ele aposta que a gestão e a produtividade crescerão nos próximos anos. A redução do número de professores substitutos, de 9 mil para 3,6 mil, entre 2003 e 2012, é outro fator positivo destacado por Lins. Para ele, a relação de alunos de graduação por professor, a chamada RAP, já é satisfatória:
- Sim, é satisfatória para o estágio que nós estamos, concluindo um processo de consolidação da expansão. A expectativa é que tenhamos um ganho de eficiência daqui para a frente.
Amaro Lins defende a fórmula definida pela comissão, da qual faziam parte reitores de universidades federais. Ele próprio é ex-reitor da Universidade Federal de Pernambuco e foi presidente da Associação Nacional de Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). Segundo Lins, o cálculo não pode ignorar os regimes de trabalho diferenciados nem a atuação dos docentes nos cursos de pós-graduação. Ele lembra que a pesquisa científica no Brasil é realizada majoritariamente nas universidades federais.
Na contramão do MEC, o Andes-Sindicato Nacional, entidade que representa professores, defende uma proporção mais baixa do que a atual, isto é, de 8 alunos por docente. A professora de enfermagem da Universidade Federal Fluminense (UFF) Elizabeth Carla Barbosa, que integra a coordenação do grupo de política educacionais do Andes-Sindicato, diz que boa parte das contratações de professores anunciadas pelo governo servem apenas para repor vagas de aposentados.
- O que a gente vivencia na universidade, no nosso cotidiano, é uma precarização de trabalho muito grande. No curso de enfermagem do pólo da UFF em Rio das Ostras, nosso projeto indica 46 professores. Hoje somos 21 e ganhamos mais oito vagas. Então, seremos 29, quando deveríamos ser 46.
Elizabeth critica a expansão financiada pelo MEC, pois considera que não foram tomadas medidas para garantir a qualidade dos cursos. Ela reclama da falta de infraestrutura, criticando o fato de que o pólo em Rio das Ostras funciona numa escola primária cedida pela prefeitura, já que a sede da universidade não está pronta:
- A gente fica sem água, sem luz. E usa contêineres como salas de aula. A sala dos professores é um contêiner. Um absurdo.
Assessor da reitoria da Universidade Federal de Goiás, o professor de pós-graduação em educação Nelson Cardoso Amaral critica a meta global de 18 alunos por professor estipulada no decreto do Reuni. Segundo ele, não há referências internacionais que justifiquem tal número.
Amaral cita o relatório Education at a Glance de 2011, da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que aponta a média de 14,9 alunos por professor na educação terciária de seus países-membros. Ele lembra que a proporção verificada nas universidades privadas brasileiras (19,1), bem como na média geral do país (16,1), supera essa marca.
"O sistema público brasileiro – principalmente as Ifes (instituições federais de educação superior) e as estaduais paulistas – USP, UNESP e UNICAMP – não podem elevar muito mais as suas relações aluno/professor, considerando-se que a pós-graduação e a pesquisa brasileira estão concentradas nessas instituições, o que impede uma maior elevação do quantitativo de estudantes em suas turmas, tanto de graduação, quanto de pós-graduação. Ressalte-se que boa parte das instituições privadas não possuem pós-graduação stricto sensu e mesmo assim, o indicador em análise não ultrapassa a marca de 20 alunos por professor", escreveu Amaral.
Procurado, o presidente da Andifes não foi localizado.
(Matéria feita em parceria com o jornalista Antonio Gois, do GLOBO)
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