Quase tão surpreendente quanto as medidas anunciadas pelo presidente egípcio, Mohamed Mursi, para conter o poder dos militares foi a reação das Forças Armadas, acatando as decisões pacificamente
O presidente egípcio, Mohamed Mursi, usou um recurso drástico para fazer valer a vontade popular, que o levou ao cargo máximo do país na eleição presidencial de junho: anulou a emenda constitucional que atribuía poderes legislativos aos militares, que haviam governado o Egito entre a queda do ditador Hosni Mubarak e a posse de Mursi, ocorrida em um clima de instabilidade. Um complô entre o Poder Judiciário e as Forças Armadas – dois órgãos que têm muitos membros ainda fiéis ao ditador deposto – havia, dias antes do pleito presidencial, dissolvido o Parlamento também eleito pelo povo, sob a argumentação de que alguns candidatos haviam sido irregularmente eleitos. Mursi ainda aposentou o ministro da Defesa e o chefe das Forças Armadas.
Quase tão surpreendente quanto as medidas anunciadas por Mursi foi a primeira reação dos militares. Um comunicado considerou normal a troca de comando “porque se trata de uma transferência de responsabilidade para uma nova geração de egípcios que protegerá o país”. A respeito da perda dos poderes legislativos, as Forças Armadas pediram que “todos os que achavam que as tropas pretendiam ficar no poder revisem suas posturas”. Se a resposta foi sincera, em vez de um jogo de palavras com o objetivo de ganhar tempo para um contra-ataque, o Egito pode, finalmente, rumar para a estabilização política. As Forças Armadas nunca esconderam sua antipatia pela Irmandade Muçulmana, que o governo de Mubarak colocou na clandestinidade, mas que ressurgiu para vencer as eleições parlamentares e presidencial.
Com o Parlamento dissolvido e a necessidade de novas eleições para o Legislativo – que ainda terá a missão de redigir uma Constituição para o país –, Mursi passa a ter um poder quase absoluto, por enquanto; os militares, no mesmo comunicado em que se submeteram às ordens presidenciais, também lembraram que “muitos mostraram seu receio ante a concentração de poder que o presidente passa a ter”. No entanto, essa situação foi criada justamente pelas Forças Armadas e pela Corte Constitucional egípcias. Se, em vez de dissolver inteiramente o Parlamento, a decisão houvesse removido apenas aqueles candidatos que teriam sido irregularmente eleitos, ainda haveria um Poder Legislativo independente em funcionamento, mesmo que com apenas parte de sua composição total, e a população teria de ir às urnas apenas para repor os parlamentares cassados.
De todos os países em que a Primavera Árabe já levou à queda de governos ditatoriais, o Egito é o mais importante, não apenas por sua relevância dentro do mundo islâmico, mas também por suas relações com Israel – os dois países tiveram uma convivência pacífica durante a era Mubarak, mas a ascensão dos islamitas vem colocando um ponto de interrogação no governo israelense. Por isso, a normalização das instituições é essencial. Do Exército, espera-se que realmente cumpra as palavras do comunicado em que acata a decisão presidencial; quanto a Mursi, é preciso que ele acelere a implantação de um novo Parlamento e também faça valer sua promessa de um governo guiado mais pela ordem democrática que pelo fundamentalismo islâmico.
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