Um novo passo contra a paralisia
FDA autoriza o teste em humanos de uma nova técnica cirúrgica que pretende amenizar as consequências de lesões na medula espinhal.
A cura de lesões na medula espinhal ainda é um dos grandes quebra-cabeças da Medicina, por isso, cientistas de várias partes do mundo buscam insistentemente uma solução para o problema. É o caso de pesquisadores do Projeto Miami – centro norte-americano especializado em danos de medula espinhal –, que receberam, no fim do mês passado, a liberação do Food and Drug Administration (FDA) para iniciar a primeira fase de testes em humanos de uma nova técnica cirúrgica que pretende amenizar as consequências dessa complicação.
A prática consiste em transplantar um tipo de célula nervosa da perna para a espinha danificada de pacientes recém-paralisados na tentativa de restaurar algumas funções e sensações. Experimentos iniciais realizados em ratos, porcos e primatas mostraram que, em muitos casos, os animais recuperaram 70% das funções e sensações perdidas.
Cenário nacional
No país há poucas pesquisas sobre lesão medular
“Atualmente, o tratamento das lesões medulares graves continua um desafio para a Medicina, mas já há vários estudos em andamento em grandes centros do mundo, com altos investimentos, que trazem esperança aos pacientes com sequelas neurológicas”, afirma o neurocirurgião dos hospitais Nossa Senhora das Graças, Erasto Gaertner, Cruz Vermelha e São Vicente Rodrigo Leite de Morais. Mas, ainda que muitos pesquisadores estejam debruçados sobre os casos de lesões de medula espinhal para chegar o mais perto possível de um tratamento perfeito, no Brasil o cenário deixa a desejar, conforme explica o professor de ortopedia e traumatologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) Luiz Roberto Vialle. “Ainda não estamos num nível bom. Os dois centros que mais pesquisam aqui [no Brasil] estão na USP [Universidade de São Paulo] e na nossa PUC. Eventualmente, um ou outro trabalho de mestrado é feito, mas os que têm uma rotina de pesquisa e publicação são mesmo poucos. Falta estudo no país”, afirma.
“É um excelente projeto, que traz novas esperanças para a recuperação neurológica do paciente com lesão medular”, afirma o neurocirurgião do Hospital Nossa Senhora das Graças Rodrigo Leite de Morais. Contudo, ele ressalta que as conclusões esperadas não são definitivas, já que por enquanto tudo “não passa de uma pesquisa científica e não está disponível para tratamento, até mesmo porque é necessário aguardar os resultados”.
Já, segundo o professor de ortopedia e traumatologia da PUC-PR Luiz Roberto Vialle, são poucas as perspectivas em relação ao transplante, pois, para ele, a técnica segue a mesma linha de outras já realizadas anteriormente e que pouco influenciaram na reabilitação do paciente. “Isso foi feito com nervos intercostais, com nervos da perna. Eu mesmo tenho paciente que foi fazer uma cirurgia em outro país, com transplante de nervo intercostal, e a experiência não deu certo. Apesar, claro, de que todo projeto é válido”, argumenta.
Comprimidos
Paralelamente ao estudo do Projeto Miami, pesquisadores ligados à Fundação AOSpine (formada por profissionais que se dedicam a estudar a medula espinhal) deverão colocar em prática ainda neste ano a segunda fase de testes de um medicamento já disponível no mercado para tratar degeneração do tecido nervoso e que, agora, eles acreditam poder utilizá-lo em pacientes com lesão medular.
A pesquisa já passou por um projeto piloto que avaliou a eficácia e a segurança da droga e, nesta segunda fase, propiciará o uso do medicamento para pacientes selecionados que tenham sofrido a lesão recentemente. Aqui no Brasil, a perspectiva é de que o Hospital Universitário Cajuru, da PUC-PR, integre a lista de hospitais participantes, informou Vialle, que também é presidente internacional da Fundação AOSpine.
Uso de células tronco tem resultados
Em 2011, uma experiência liderada por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) da Bahia em parceria com o Centro de Biotecnologia e Terapia Celular do Hospital São Rafael, em Salvador, conseguiu recuperar parte dos movimentos das pernas do ex-policial baiano Maurício Ribeiro, que havia ficado paraplégico.
A técnica consistiu em um transplante de células tronco adultas obtidas do próprio paciente na área de lesão na medula espinhal, como explicou a pesquisadora titular da Fiocruz Milena Botelho Pereira Soares. “Este estudo foi baseado em um anterior, no qual testamos a técnica em cães e gatos que tiveram lesões raquimedulares. Como os resultados no estudo em animais foram promissores, esperávamos obter resultados semelhantes em pacientes. Não foi uma grande surpresa.”
A pesquisa, que está em fase final de análise, tratou 14 pacientes com lesão na medula espinhal, e todos apresentaram graus variados de melhoras sensitivas e motoras. O fato, segundo Milena, pode significar um novo caminho para a recuperação de pacientes com a medula lesionada, embora estudos assim ainda enfrentem um cenário não muito favorável. “Apesar de ter havido investimento considerável nas pesquisas com células tronco no Brasil, esses recursos não são comparáveis aos investimentos feitos em vários países da Europa, Ásia e América do Norte”, diz ela.
Na tentativa de reverter esse quadro e ampliar o uso da medicina regenerativa na recuperação de pacientes que dependem do SUS para tratamentos como regeneração do coração, movimento das articulações e tratamento da esclerose múltipla, o Ministério da Saúde prometeu, em abril, que em 2012, R$ 15 milhões seriam investidos em terapia celular. Destes, R$ 8 milhões seriam destinados à conclusão da estruturação de 8 Centros de Terapia Celular responsáveis pela produção nacional de pesquisas com células tronco (um deles na PUC-PR).
Nenhum comentário:
Postar um comentário