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Professor de Língua Portuguesa na Rede Estadual de Ensino - Governo do Paraná

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Expressão / A COISA ESTÁ PRETA


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COISA ESTA PRETASe hoje consideramos o preto como a mais sombria das cores, é porque ele simboliza o funesto, o fúnebre, e por isso inspira a idéia da morte. Mas nem sempre foi assim.
Documentos deixados pelos povos de antigamente revelam que da mesma forma como se procede na atualidade, o costume entre eles era o de expressar o sentimento pesaroso pelo falecimento de parentes e amigos; mas esses achados também dão a entender que em quase todos os agrupamentos humanos da época, o branco era a cor escolhida para demonstrar a idéia de luto.
O império romano foi um exemplo desse tipo de procedimento que avançou pelo tempo até chegar ao Portugal antigo, onde o povo manifestava sua dor e seu pesar pela perda de alguém usando o burel branco, um pano grosseiro de lã, ou outro tecido da mesma cor, a almáfega, utilizada normalmente na fabricação de sacos e confecção de vestimentas de luto. A mantilha longa e negra conhecida como dó, era reservada aos membros da realeza.
Em épocas que há muito ficaram para trás, o simbolismo das cores variava conforme o contexto social, mas o desenvolvimento da técnica de pintura ocorrido durante o Renascimento, permitiu a pesquisa do claro e do escuro, tanto que Leonardo da Vinci (1452-1519) incluiu em suas anotações alguns comentários sobre a necessidade de busca escrupulosa quanto à cor mais apropriada a cada objeto, porque sendo controlado dessa maneira, o colorido faria parte do gosto ou da etiqueta segundo critérios que se modificam de tempos em tempos, por razões circunstanciais.
Durante a Idade Média, dois fatores contribuíram para o surgimento de um conceito novo sobre o branco e o preto: a caçada impiedosa que os religiosos da Inquisição promoveram às pessoas chamadas por eles de bruxas, feiticeiras e demônios – por estarem supostamente associadas de alguma forma ao negrume das trevas -, e o incremento da escravatura, onde a terrível situação imposta aos negros africanos fez surgir, por analogia, um ponto de semelhança entre eles e o sofrimento, a dor e a morte.
A partir daí a expressão “a coisa está preta” tornou-se redundância natural de um estado de coisas, aparecendo com ela a variante “a coisa está ruça” , pois o ruço nada mais é que um preto desbotado, ou até mesmo o seu oposto, “tudo azul”, transmitindo a idéia de que a vida vai bem e sem maiores problemas. Com isso o preto tornou-se a cor dos momentos de luto e de dor, ou então indicativo de que a situação de alguém, ou alguma coisa, está indo de mal a pior.
No entanto, a mestre em Estudos Lingüísticos pela Universidade de Minas Gerais, Maria Edna Menezes, dá um outro significado à frase-feita quando afirma em sua dissertação Reflexos Negros – a imagem social dos negros através de metáforas, “que muitas das expressões relativas ao negro, usadas na linguagem cotidiana, são pejorativas, e reproduzem, implicitamente, a idéia da pretensa inferioridade da raça negra”. Entre essas expressões ela relacionou as seguintes:
- asa negra: pessoa que prejudica ou embaraça um grupo com freqüência;
- caixa-preta: falta de transparência
- câmbio negro: comércio ou transação ilegal;
- humor negro: humor que choca pelo uso de elementos mórbidos ou macabros;
- lista negra: relação de coisas ou pessoas consideradas prejudiciais;
- magia negra: bruxaria;
- mercado negro: comércio ilegal;
- ovelha negra: pessoa ou entidade que se destaca pelo mau procedimento;
- peste negra: doença que assolou a Europa na Idade Média
A pesquisadora afirma ainda que o preto, por representar a oposição a todas as cores, sempre foi associado às trevas primordiais, e que os próprios negros reproduzem as metáforas negativas, ao disseminar expressões como “Não faça trabalho de negro”, “A coisa está preta”, “Ele é um negro de alma branca”. E conclui: “Eles mesmos têm preconceitos, pois principalmente através da TV, só consomem valores que priorizam os brancos.”

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