Vista do Colégio Estadual do Paraná, inaugurado em 1950: Centro de Memória é modelo para outras instituições
PATRIMÔNIOPara o ensino não virar pó de giz
Sem proteção, memória escolar conta com heroísmo e boa vontade de professores, zeladores e simpatizantes. Projeto do governo se propõe a reverter esse quadro negro. Instituições centenárias comemoram com eufórico culto ao passado.
Eleitas
Confira instituições selecionadas para o Programa de Proteção às Escolas da Rede Pública
• Paranaguá – Instituto Estadual de Educação Dr. Caetano M. da Rocha, Escola Faria Sobrinho.
• Antonina – Centro Dr. Brasílio Machado, Colégio Moyses Lupion, Colégio Rocha Pombo.
• Curitiba – Instituto de Educação, Estadual, Xavier da Silva, Tiradentes, Dom Pedro II, Grupo Escolar Cruz Machado.
• Ponta Grossa – Colégio Regente Feijó.
• Lapa – Colégio São José.
Sobre maquetes e memórias
Pesquisar acervos escolares não é tarefa para amadores. É preciso ter paciência de Jó para enfrentar a resistência de professores – temerosos de sumiços e do que vai ser feito dos seus tesouros reunidos semestre após semestre. O historiador da UFPR Marcus Levy Bencostta, 48 anos, bem o sabe.
Primeiro, ele investigou fotos de colégio, verdadeiros rituais na aurora das nossas vidas. Bateu em muita porta e levou corridão. Há uma década foi a vez dos espaços – em especial grupos escolares da Curitiba do final do século 19 a meados do século 20. O trabalho liderado por Marcus já inspirou nada menos do que cinco doutorados e quatro mestrados na área da Educação, um grupo de estudos local e firmou o nome do pesquisador no circuito nacional de memória escolar. Uma das idealizadoras do projeto paranaense é sua ex-aluna Maria Helena Pupo.
Em meio a tanto respaldo acadêmico, impossível não prestar atenção numa estratégia irresistível da turma de Marcus – o grupo moldou maquetes das escolas mais antigas da cidade, entre elas, várias desaparecidas ou modificadas, como a Oliveira Bello, a Carvalho, Professor Cleto e a Tiradentes. O efeito sobre o espectador é imediato – quer brincar de escolinha. O resto vem por acréscimo: quer-se entender a mentalidade que se esconde por trás daquelas colunas e brasões.
É conversa ilustrada. Os grupos escolares centenários reproduziam em suas paredes o desejo de se parecer com a Europa. Eram também uma afirmação imponente do poder republicano, uma prática nacionalista por excelência, tudo moldado no estilo eclético. “Há uma tendência mundial de integrar as escolas aos espaços de preservação da memória”, acrescenta o estudioso sobre os prédios amados, porém cada vez mais vistos apenas de fora.
Chegamos tarde à preservação? “Sim”. Parte das lacunas podem ser preenchidas com depoimentos e documentos de ex-alunos e de seus filhos e netos. E por futuras pesquisas que sairão desses museus vivos, nos quais nunca circulam menos de mil pessoas por dia.
Quem diria
Muros altos escondem uma das arquiteturas escolares mais interessantes do Paraná – o Colégio Estadual Tiradentes, próximo ao Passeio Público, para o qual tem vista privilegiada. O projeto é de ninguém menos do que Rubens Meister, o mesmo arquiteto do Teatro Guaíra, e foi tombado por integrar as obras do Centenário da Emancipação Política do Paraná.
Na concepção original, passantes poderiam ver o pátio com arcos e haveria também um anfiteatro, cuja conclusão foi embargada pela prefeitura. Hoje a área tem uma churrasqueira e serve de oficina para carteiras quebradas. Em tempo – o Tiradentes foi concebido para ser o Museu de História Natural, hoje no Capão da Imbuia.
O diretor, Dario Zocche, 51 anos, responde hoje pela escola cujo nome surgiu em 1892 e abrigou uma das maiores educadoras do Paraná, Júlia Wanderley. Como as demais instituições de ensino do Centro, os aproximados mil alunos vêm de todos os cantos da cidade. Atrás dos muros, desfrutam uma das joias da cidade.
O inventário de Ruthi se prolonga pelos corredores e salas da instituição – uma das cinco erguidas no país, todas idênticas, em honra do imperador Pedro II, no centenário de seu nascimento. A diretora mal sabe, mas faz parte de uma confraria informal de profissionais da escola que, assim como ela, têm garantido, ao longo de mais de um século, a preservação de objetos educativos, livros-ata, boletins, fotografias, mobiliário e, claro, edifícios inteiros sujeitos diariamente a piás e gurias dotados da força de Toddy.
Não fossem professores, zeladoras e até pais de aluno que salvaram documentos em suas casas, restariam farrapos à memória do ensino. Museus escolares e afins são uma novidade em formação no Brasil, com ênfase nos estados de São Paulo e Minas Gerais. Antes que começassem a existir, um diretor em fúria ou a tia da limpeza cega pela ignorância poderiam, sem vigilância ou punição, atear fogo a décadas inteiras de informação educacional ou tomar para si cadeiras e estantes art déco. E muitos de fato o fizeram, como é possível confirmar em visita às instituições mais antigas ou em consulta a seus arquivos, não raro desdentados.
Garantir um mínimo de segurança a esses acervos é uma reivindicação antiga dos educadores – em particular os que trabalham em escolas já declaradas patrimônio histórico. “Nós nos sentimos muito vulneráveis”, reconhece José Frederico de Mello, 60 anos, há 20 na direção do Instituto de Educação Erasmo Pilotto, fundado em 1876 e desde 1922 na sede da Rua Emiliano Perneta. Na sala em que trabalha, há telas de De Bona e Alfredo Andersen, sem falar no mobiliário que deixaria Ruthi – a do D. Pedro II – com os olhos rasos d’água. “Nos tornamos um tipo de especialista que não estava previsto”, avisa Frederico enquanto conduz a reportagem pelas escadarias solenes por onde passaram milhares de professorinhas, entre elas a poeta Helena Kolody e a mestra Eny Caldeira.
O motivo do tour – que permite ver o fausto, mas também as avarias da construção – é conhecido. Há pouco mais de um mês, o governo do estado lançou um ambicioso programa de restauro, conservação e memória das escolas públicas históricas do Paraná. Em princípio, estão cobertas pelo projeto 13 instituições tombadas pelo Patrimônio (veja lista), mas, caso se torne uma política permanente, como se anuncia, outros colégios se somarão. Com sorte, globos, palmatórias, laboratórios de química e as incríveis saias plissadas sairão dos armários onde estão.
De acordo com o professor Francisco França, um dos 15 técnicos destacados diretamente para o programa, 562 das 2.139 escolas estaduais foram fundadas há mais de 50 anos, logo precisam de uma informação mínima sobre como cuidar do passado. Como será feito esse mutirão é que são elas. O projeto prevê a captação de uma verba inicial de R$ 7 milhões, dos quais nenhum tostão será gasto com tinta. “Esse é o custo apenas dos projetos de restauro. É muito caro”, calcula a assessora de governo Sandra Teresa da Silva, 48 anos, entusiasta da proposta.
Como se diz, vai ser preciso trocar pneu com o carro andando. “Estamos na fase preliminar”, admite Sandra, diante da lista de interrogações que lhe são apresentadas. Além de telhados caindo e vitrais se espatifando – ainda que não via de regra – vai ser preciso fazer muita articulação política para garantir profissionais de museologia no seio das escolas. Outra questão é se os acervos devem ficar nas instituições ou se serão centralizados num futuro “Museu da Escola”, cuja sede, deseja-se, poderia ser o antigo Grupo Escolar Cruz Machado, hoje tristemente convertido na Delegacia Antitóxicos, na Meia Pracinha do Batel.
Dá gosto acompanhar a discussão que tomou conta das escolas integradas ao projeto, nas quais virou onda olhar antigos boletins, preenchidos com elegantes caligrafias. Há certa ansiedade. Trabalhar numa instituição centenária é um orgulho, mas tem seu preço. O pé-direito pode ultrapassar 7 metros e, tomara, uma teia de aranha não se instale por lá. Um vidro quebrado chega a custar R$ 250. Não bastasse, resta a sensação de que a sociedade não enxerga mais os colégios de outrora. São poucos os egressos e menos ainda os filantropos, que devolvem ao ensino um pouco do que receberam.
Uma das esperanças é que o arrastão da memória promovido pelo Estado faça essa gente ultrapassar os portões, afinal, para quem vive debaixo de colunas e capitéis, os que ali estudaram são lembrados todos os dias. No Instituto, as secretárias aceitam até abrir arquivos para exibir boletins de 1937 ou 1946, basta pedir. Esse sentimento explica a emoção que o arquiteto e pesquisador da UFPR Key Imaguire provocou no Colégio Estadual do Paraná, onde estudou de 1961 a 1966. Levado pela reportagem, ele trajava o casaco do uniforme de sua adolescência, intacto, com emblema e tudo. Virou estrela.
“Estávamos esperando por você”, disse uma emocionada professora Malu Rocha, assessora da direção. O CEP, como é chamado, já tem um centro de memória, uma profissional à frente, Ana Lygia Czap, e namora uma sede – a casa do guardião da escola. Seu acervo é um desacato, pois as origens do colégio, inaugurado em 1950, remontam a 1846. Dá para imaginar? Pois se vista de gala para visitá-lo.
Bastidores das escolas tombadasampliar
Ruthi Trentin, do D. Pedro II, com Gelvina na foto: testemunhaAntônio More/ Gazeta do Povo
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Instituto de Educação: onde Kolody ensinava Biologia
Com 136 anos de funcionamento, o Instituto de Educação do Paraná – um dos 13 beneficiários do programa de conservação de escolas tombadas do estado – abrigou principais fases do ensino no Paraná. Conheça o prédio por dentro e saiba um pouco de sua história.
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