Rudney Victor/STF
Julgamento do mensalão no STF não será o último capítulo do caso
Dependendo da sentença dos ministros do Supremo, personagens envolvidos no caso podem ganhar ou perder capital político.
O desfecho de um dos maiores escândalos políticos da história do Brasil começa na quinta-feira. O julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal, no entanto, não será o último capítulo para os principais envolvidos direta e indiretamente no caso. A interpretação final dos ministros do Supremo vai desencadear consequências políticas e eleitorais de curto, médio e longo prazo, que podem variar da reabilitação de personagens como o ex-ministro José Dirceu ao desgaste da imagem do ex-presidente Lula.
Opinião
O Mensalão e a abertura do olhar
Fábio André Guaragni. Promotor de Justiça do Paraná, doutor e mestre em Direito das Relações Sociais pela UFPR
Avizinha-se o julgamento do mensalão. Embora sejam quase quarenta réus, os olhares estão concentrados sobre os políticos. Claro: sobre eles, pelos cargos e funções que desempenhavam, recaia o dever de que respeitassem a res publica, a coisa pública. Todavia, a mirada deve ir além. Dentre os réus, há dirigentes de bancos. O que queriam? Segundo a denúncia, extrair proveito da coisa pública. A denúncia afirma, por exemplo, que o BMG, em troca da cumplicidade, foi brindado com a autorização para conceder empréstimos para aposentados e pensionistas do INSS, obtendo lucros expressivos. A se confirmarem os fatos no julgamento do mensalão, será possível concluir pela necessidade de monitorar continuamente as atividades de bancos e financeiras, tanto quanto de políticos? É dado especular se (e quanto) interessa a um banco movimentar recursos de procedência ou destinação ilícita, desde que vultosos? E se efetivamente fazem parte de suas metas esforços para identificar o emprego ilícito deles?
E os empresários capitaneados por Marcos Valério, sócios em agências de publicidade, o que queriam? Em troca de fazerem a “ponte” para pagamento dos políticos, obtiveram lucros em prejuízo da coisa publica. Vencerem contratos resultantes de licitações dirigidas. É a afirmação da denúncia. Há um toque professoral no trecho do depoimento de Marcos Valério: “Quando indagado sobre eventuais direcionamentos nessas licitações que vem ganhando sucessivamente (...) esclarece que a atuação da sua agência não difere em nada dos outros grandes contratos do governo federal atual ou passado, como, por exemplo, os contratos com as agências Olgvy-SP; DM9-SP; Bagg-BA; Propeg-BA; FNASCA-SP; Duda Mendonça, Lew, Lara, Fisher América (...) Que, a atuação na área de publicidade de um modo geral envolve a submissão a interesses políticos, sem o que as empresas não sobrevivem nesse mercado...” (denúncia, nota 64). O magistério está na revelação de como se dão as relações entre agências de publicidade e aparelho de estado. Confirmando-se os fatos no julgamento, a atividade das agências de publicidade junto ao Estado deve ser transformada em objeto de fiscalização cotidiana? Pautar o jornalismo investigativo, tanto quanto a atuação dos políticos?
Onde os corruptos proliferam de modo endêmico, os corruptores também proliferam. Uns não existem sem os outros. E a endemia da corrupção dá-lhes perpetuidade. O mensalão tem algo de pedagógico: permitirá à nação abrir o olhar. Treiná-lo, para que monitore não só o político ocupante de cargos governamentais que despreza a coisa pública, mas também os setores da iniciativa privada que a tomam de assalto como parte do negócio. Se de todos é a res publica, a atitude republicana impõe-se também a todos.
“Não há dúvidas de que uma possível absolvição dos ex-dirigentes do partido vai fortalecer um setor importante do PT que foi atropelado no governo Dilma”, diz o cientista político do Instituto de Ensino e Pesquisa de São Paulo (Insper) Carlos Melo. O professor chama esse grupo de “burocracia interna” da legenda, que perdeu espaço em Brasília a partir do segundo mandato de Lula. “Se você pegar os atuais ministros influentes, vai ver que são nomes que começaram a se destacar após o mensalão”, completa ele, citando Guido Mantega (Fazenda), Alexandre Padilha (Saúde) e Paulo Bernardo (Comunicações).
Melo diz que a corrente “burocrata” é forte nas discussões internas. “Vale lembrar que eles conseguiram emplacar Rui Falcão como presidente do partido.” Com a absolvição de José Dirceu, que é acusado de corrupção ativa e formação de quadrilha e pode ser condenado a até 111 anos de prisão, o grupo voltaria a ter uma referência com potencial eleitoral.
Mesmo sem envolvimento direto no julgamento, Lula também pode ganhar ou perder capital político de acordo com as sentenças. O cientista político da Universidade de Brasília (UnB) Valdir Pucci vê mais oportunidades favoráveis do que contra o ex-presidente. “Não acho que o caso vai colar negativamente nele, como não colou antes. Agora, se a tese dele de que o mensalão não existiu prevalecer perante os ministros, será uma vitória política importantíssima.”
Tanto Melo quanto Pucci concordam que Dilma não deve sofrer danos de imagem qualquer que seja a decisão do Supremo. Já a oposição poderia se fortalecer com a discussão sobre a conduta ética do PT. “Assim como o PSDB ficou marcado pelas privatizações, o mensalão é uma ‘grife’ dos petistas”, ressalta Melo.
Já Pucci destaca a inabilidade do PSDB, DEM e PPS de tirar proveito da situação. “No passado, a oposição não soube tratar direito o mensalão. O pior é que continua não sabendo agora e não dá demonstrações de que vai aprender no futuro.”
Apesar disso, setores do PT demonstram cada vez mais receios sobre os efeitos de curto prazo do julgamento nas campanhas municipais. Na semana que passou, coordenadores jurídicos do partido em São Paulo encaminharam ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) um pedido formal para que o julgamento seja adiado. Em abril, o ministro do STF, Gilmar Mendes, disse que Lula teria defendido a mesma proposta – o que é negado pelo ex-presidente.
“O calendário de quando julgar qualquer um de seus processos cabe ao STF. Agora, a suprema corte de qualquer país evitaria tratar de um caso desses em período eleitoral”, disse o deputado federal paranaense André Vargas, que é secretário nacional de comunicação do PT. Por outro lado, ele não acredita em grandes estragos. “Essa é uma agenda vazia: a oposição tentou usá-la nas eleições de 2006, 2008 e 2010 e não obteve sucesso.”
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