Daniel Castellano/Gazeta do Povo
Joice Fontes nasceu dois dias após o lançamento do real. E reclama que, embora seja bem mais fraca hoje em dia, a inflação ainda é bem perceptível18 anos após vencer a inflação, país encara desafio de ir além do consumo
Estabilização permitiu ao brasileiro planejar a compra de bens de valor mais alto e foi fundamental na ascensão de milhões de pessoas. Mas chegou a hora de enfrentar os gargalos estruturais.
Quase 20 anos depois, a avaliação de economistas é de que o mero estímulo ao consumo vem mostrando sinais de desgaste, revelados, por exemplo, pelos índices recordes de inadimplência. A saída agora, dizem, seria enfrentar os gargalos estruturais do país.
Mesmo contida, alta de preços incomoda os “filhos do real”
O Plano Real pôs de lado a cultura inflacionária da década de 1980 e início dos anos 1990. A subida de preços, que chegou a 2.477% ao ano em 1993, nem se compara com a inflação de 6,50% registrada no ano passado. Mesmo assim, a recorrente alta dos preços incomoda quem nasceu junto com a moeda.
“Calças, tênis e camisetas estão cada vez mais caras. Ano passado comprei uma camisa de futebol que era lançamento por R$ 150. Este ano, um novo lançamento da mesma marca saiu por R$ 190”, conta Ayrton Toledo, que nasceu no mesmo ano do real e da morte do piloto Ayrton Senna, que rendeu uma homenagem ao seu nome. “A alta do preço é natural, mas mesmo assim pesa no bolso das pessoas”, afirma.
Joice Fontes, que nasceu dois dias depois do lançamento da moeda, pondera que o cenário anterior ao Plano Real era muito diferente do atual, mas que a inflação, mesmo controlada, é perceptível. “Todo mundo acompanha que os preços sobem no supermercado. Do vidro de maionese ao saco de arroz. A diferença é que há 20 anos a situação parecia ser de descontrole”, explica.
O professor de economia e política monetária da UnB, Newton Marques, afirma que é natural que os “filhos do real” tenham esta percepção. “É uma alta de preços incômoda para eles e até mesmo para os mais velhos, que muitas vezes nem se dão conta de como era estocar os produtos em casa.” (PB)
“Antes não era possível fazer isso por conta de um problema conjuntural. Mas hoje já temos condições de investir mais. O corte da taxa de juros é um sinal disso”, afirma Lucas Dezordi, professor de Macroeconomia e Política Monetária do FAE Centro Universitário.
Poder de compra
O ganho de poder de compra proporcionado pelo real a partir de 1994 incentivou o consumo de bens de maior valor agregado. Produtos como iogurte, frango desossado e dentadura viraram símbolos da nova moeda, mas o fato é que a estabilização permitiu ao brasileiro planejar a compra de bens mais valiosos.
O real, ao contrário das moedas anteriores, não se desvalorizava da noite para o dia. Quase duas décadas mais tarde, seu legado é a continuidade da política de consumo, principalmente em função do crédito, que permite o acesso ao carro e a casa própria.
Quantidade e qualidade
Para Renato Marcondes, professor de História da Economia Brasileira da Universidade de São Paulo (USP), o Plano Real foi o primeiro passo para um forte crescimento da quantidade e da qualidade do consumo do brasileiro, principalmente em virtude da inclusão de classes mais pobres nesse mercado.
Ele explica que, com o chamado overnight, aplicação típica da era pré-Real, as pessoas com maior renda tinham condições de escapar dos efeitos da inflação desenfreada e, com o dinheiro poupado, comprar bens de maior valor agregado. Ao restante da população sobrava a opção de comprar bens de primeira necessidade o mais rápido possível. Com a entrada da nova moeda, os salários deixaram de evaporar com a inflação que chegava a quase 4%.
“Há estimulo ao consumo toda vez que um plano de estabilização da economia entra em vigor. O desafio maior, e que foi vencido, era manter a estabilidade econômica e política”, explica o professor de Economia Newton Marques, da Universidade de Brasília (UnB).
Ascensão social
A perpetuidade do Plano Real é um dos fatores que permitiu a entrada de 40 milhões de brasileiros na classe C, juntamente com as políticas sociais. “A grande mudança nestes 18 anos é o consumo de massa. Hoje há crédito e aumento da renda. Naquela época ninguém fazia um empréstimo com inflação de 40% ao mês”, lembra Marcondes.
De acordo com o Banco Central, a proporção do crédito em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) em 1993 não chegava a 25%; hoje ela se aproxima da casa dos 50%. “É uma política de consumo através do crédito que só se viabilizou a partir do real”, completa o professor da USP.
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