Para Walcyr Carrasco (à esq.), Edney Silvestre e João Ubaldo Ribeiro (à dir.), obra de Jorge Amado exige atenção do leitor, mas está longe de ser hermética
10ª FESTA LITERÁRIA INTERNACIONAL DE PARATYUm papo sobre Jorge Amado
Desinteresse das novas gerações pela obra do autor baiano foi debatido na Flip pelo dramaturgo Walcyr Carrasco e o escritor João Ubaldo Ribeiro, com mediação do jornalista Edney Silvestre.
Jorge Amado anda esquecido. O autor baiano, que morreu em 2004, já foi sinônimo de brasilidade e, por muitos anos, um dos mais lidos e populares dentro e fora do país. Mas, na última década, parece ter perdido expressão, apelo junto a novas gerações. Essa constatação foi escolhida pelo jornalista Edney Silvestre, mediador de um colóquio sobre o centenário do escritor, realizado na Casa de Cultura de Paraty, dentro da programação da Flip, na última quinta-feira. Participaram da mesa Walcyr Carrasco, autor da nova adaptação do romance Gabriela, Cravo e Canela, atualmente exibida pela Rede Globo, e João Ubaldo Ribeiro, integrante da Academia Brasileira de Letras, que foi amigo íntimo de Amado.
Nem Carrasco nem João Ubaldo souberam dar uma única explicação para o desinteresse dos mais jovens pela obra do autor baiano. Ambos reconhecem, no entanto, que a escola tem, ao longo dos anos, prestado um desserviço à literatura, sobretudo a brasileira, ao não saber explorar o universo dos livros de forma mais lúdica e imaginativa, conferindo aos livros de “leitura obrigatória” uma aura de tédio e inacessibilidade, decorrente de atividades pós-leitura que retiram das obras muito de sua graça.
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“Ler é custoso e requer um trabalho muito grande na introdução desse hábito. Já li questões de vestibular sobre meus livros que seria incapaz de responder. Esse ódio que muitos alunos têm aos clássicos é transmitido pelos professores”, completou João Ubaldo, conterrâneo de Amado, ressaltando a importância da presença dos livros nos currículos escolares, mas também questionando os métodos como os textos são explorados.
“Jorge Amado, por mais que seja um escritor que seduz, não é um autor fácil. Ele pede atenção, dedicação do leitor, mas está longe de ser hermético. Apenas precisa ser explorado com carinho e atenção”, disse Carrasco, que leu Gabriela, Cravo e Canela pela primeira vez aos 12 anos e, desde que se tornou escritor, sonhava em fazer uma nova adaptação do romance, lançado em 1958. “Há uns quatro anos vinha propondo a ideia à Rede Globo. Quando soube que queriam fazer, eu disse: ‘É meu!’.”
Adaptação
Questionado por Silvestre sobre as liberdades que vem tomando com a obra de Amado em Gabriela, inspirada mas não uma transposição fiel do livro, Carrasco explicou que, mesmo alterando a ordem dos acontecimentos do livro e acrescentando personagens, tem buscado preservar o universo do escritor e as relações de poder que ele retratou. “Como a Globo vende suas produções para o mundo todo, a novela vai levar Jorge Amado para pessoas que nunca ouviram falar dele. O livro acaba de ganhar uma edição especial, já na cola da repercussão do nosso trabalho para a tevê”, afirmou.
Muito próximo de Amado, com quem tinha contato quase diário em Salvador, João Ubaldo conquistou o público que lotou a Casa da Cultura e a Tenda do Telão para onde a mesa estava sendo transmitida com suas recordações do escritor. Indagado por Silvestre, que também é escritor premiado de romances, se Amado lhe dava conselhos em relação a seus escritos, o autor de Sargento Getúlio e Viva o Povo Brasileiro! disse que sim, mas que sempre foi uma relação mais horizontal, sem assumir o papel de mentor. “Glauber [Rocha, cineasta] e eu éramos muito próximos. Mas o Jorge não gostava de ser visto como pai, como uma figura paternal. Preferia ser visto como um irmão mais velho.”
Sobre Gabriela, Tieta e Tereza Batista, algumas das mulheres poderosas criadas pela pena de Amado, João Ubaldo disse que o escritor acreditava, de fato, no poder do feminino. Além de amante das mulheres, ele tinha um exemplo e tanto em casa: sua esposa, a escritora Zélia Gattai. “Ele criava nos livros mulheres poderosas, era assim que pensava. Ele mostrava os meandros, as artimanhas que as mulheres usavam para contornar a situação e mostrar quem estava no comando.”
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