Marcos Morau observa ensaio que reúne brasileiros e espanhóis
ENTREVISTAMarcos Morau, diretor da companhia espanhola La Veronal.O grande encontro de culturas que o Festival de Teatro de Curitiba promove na cidade começou mais cedo neste ano, com o início, na última quarta-feira, dos ensaios de Los Pájaros Muertos. Além dos nove bailarinos da companhia La Veronal, de Barcelona, participam 15 brasileiros selecionados aqui mesmo. Em meio à tensão anterior à estreia, que ocorre hoje, para convidados, e amanhã, para o público em geral, Diviane de Oliveira comenta que o mais interessante está sendo compartilhar desse outro jeito de fazer dança. “É um trabalho mais contemporâneo, com influências espanholas e traços do flamenco”, conta. “Não é só figuração, a gente faz parte do corpo de baile mesmo”, avisa a estudante de artes cênicas Andressa Dias. “Nunca tive uma oportunidade como essa, por mais que a carga horária seja alta e traga muito cansaço”, diz Georgia Ricetti, de apenas 16 anos e formada em balé clássico. Nereida Pereira, de 43, conta que quando o idioma não ajuda, o diretor Marcos Morau usa a música e gestos para passar sua intenção. À Gazeta do Povo, ele disse não se importar com o que as pessoas irão perceber ou não sobre Picasso, o grande homenageado da peça, mas garante que a atmosfera dramática não escapará a ninguém. Acompanhe a conversa:
De onde surgiu Los Pájaros Muertos?
Daniel Sorrentino/Divulgação
O Largo da Ordem sendo preparado para as duas apresentações de Los Pájaros Muertos: exigência por um cenário “eclesiástico” se encaixou perfeitamente com o local
Em 2009 fomos encarregados pelo Museu Picasso de Barcelona de montar uma peça sobre o pintor. É um prédio muito bonito que fica no Borne, um bairro gótico, fantástico, e o museu tem um pátio em pedras. Então concebemos o espetáculo para estrear ali. Já nasceu com a ideia de reunir bailarinos profissionais da companhia e pessoas do mundo do teatro, do circo. Pessoas um pouco das artes e um pouco que não tivessem nada a ver com o corpo. Depois disso, a peça sempre dialoga com o local onde a fazemos, e sempre com pessoas locais. Esse é o interessante, ver como a peça se mimetiza com gente do lugar onde a representamos.
Como foi trabalhar com estrangeiros e num prazo tão curto?
Adorei, porque gosto muito de me comunicar, expressar ideias e trabalhar com pessoas. No começo foi difícil, porque elas não entendem onde se encaixam. “Vem um cara de fora, mostra uns passos e daí?” Mas aos poucos começam a entender qual o seu momento na peça, o que representam, e creio ter conseguido um grupo uniforme, ainda que muito diverso. Essa mistura me parece genial. Você se dá conta de que tem algo em comum, que é o desejo de contar algo, não importa se é profissional ou amador.
Por que viés vocês falam de Picasso?
Ele viveu 93 anos. É muito. Viveu a Primeira Guerra, a Segunda, o franquismo, a guerra civil, viveu na França, era andaluz... Viu muita gente e foi contemporâneo de muitos artistas, que morreram antes dele. Então Los Pájaros Muertos é sobre todos os seus contemporâneos que morreram antes. Picasso avança pelo século 20, e as pessoas vão caindo. O título é uma metáfora, porque é ao mesmo tempo o nome de um quadro dele, de sua primeira etapa cubista. Falamos de guerra, da França, da Espanha, rimos das festas populares espanholas porque ele é quem é devido à Espanha, mas também à França. Devido à ditadura franquista [Francisco Franco comandou a Espanha de 1939 a 1975] ele precisou emigrar para a França, que no início do século 20 era o país da boemia, da liberdade. E nisso também está a peça, ela brinca com a mistura da modernidade francesa e a tradição espanhola. Rimos das duas, porque a França também não é tão moderna e a Espanha não é tão clássica. Há muitas máscaras de intelectualidade.
E se o público não captar tudo isso, é preocupante?
Acho mesmo que essas coisas as pessoas não vão entender. Mas entendem algo da atmosfera espanhola e francesa. As pessoas não vão dizer “a, esse é o Picasso, aquela sua mulher...”. Isso não importa, e sim a atmosfera dramática, a tensão que se cria, o humor. É como se a obra baixasse e subisse. Nesses três anos de vida as pessoas que não entendem nada de dança gostaram da peça, mas também aquelas que sabem muito, porque lhes parece que há uma coerência e uma razão de ser que em outros trabalhos nossos não há. Por outro lado, ela é muito simples no nível visual, mas compensa no dramatúrgico. E me interessa muito a reação que a peça terá aqui no Brasil, porque nunca a apresentamos fora da Espanha.
O que achou do cenário do Largo da Ordem?
Queríamos um fundo eclesiástico, que lembra a Espanha. Quando me mostraram disse ‘é isso mesmo’.
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