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sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Resoluções para um feliz bicentenário.


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DESENVOLVIMENTO

Resoluções para um feliz bicentenário.

O Brasil nasceu falido, e quase quebrou tantas vezes depois. Hoje, 190 anos depois da Independência, pode se orgulhar de uma série de conquistas. Derrotou a inflação, virou “grau de investimento” e tornou-se um dos maiores mercados consumidores do mundo. Mas ainda está longe de ser considerado um país desenvolvido. Algumas atitudes, no entanto, podem colocá-lo no caminho certo até 2022, quando completará 200 anos como país independente.
Para um país que nasceu falido, o Brasil até que se saiu bem.
Aprendizado
Segundo cálculo do Todos pela Educação, em 2009 apenas 28,9% dos estudantes do 3º ano do ensino médio tinham aprendizado adequado de português, pouco mais que os 25,8% de 2001. No mesmo período de oito anos, regrediu de 11,6% para 11% o porcentual de alunos com domínio básico de matemática.
Despesas
Mesmo excluindo da conta os juros da dívida, de 1991 a 2010 o dispêndio do governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) saltou de 13,7% para 22,4% do PIB, conforme estudo dos economistas Fabio Giambiagi e Fernando Honorato Barbosa.
Fontes
Além das fontes já mencionadas nos textos, esta reportagem se valeu dos bancos de dados do IBGE, Banco Central, Ipea, Banco Mundial, OCDE e Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Também se baseou em informações de livros de Laurentino Gomes (1808 e 1822) e Adolfo Sachsida (Fatores determinantes da riqueza de uma nação, em parceria com João Batista de Brito Machado, e 10 fantasmas que assombram uma nação, este inédito). Outra fonte fundamental foi o livro 2022: propostas para um Brasil melhor no ano do bicentenário, coletânea de 17 artigos organizada por Fabio Giambiagi e Claudio Porto.
Interatividade
O que o Brasil deve fazer para ser um país mais desenvolvido daqui a dez anos? Mande as suas sugestões!
Quando D. Pedro I proclamou a Independência, há 190 anos, o Tesouro não tinha reservas – o rei D. João VI havia raspado os cofres pouco antes de voltar a Portugal. As principais atividades econômicas decaíam. A arrecadação de impostos só co­­bria metade das despesas públicas. E o governo, sem alternativas, teve de recorrer a empréstimos no exterior e literalmente fabricar dinheiro, botando lenha na fogueira da inflação. Com pequenas diferenças, essa história se repetiria várias vezes nos dois séculos seguintes.
Hoje o Brasil tem a confiança de seus credores; é “grau de investimento”. Mes­­mo a contragosto, o governo administra suas contas com um mínimo de responsabilidade. A inflação não assusta mais, a taxa de desemprego já não envergonha e ultimamente até os juros andam mais civilizados.
O problema é que a fórmula que garantiu a maioria das conquistas recentes está esgotada. A combinação de aumentos reais do salário mínimo, políticas de transferência de renda e estímulos ao consumo, que tirou dezenas de milhões de brasileiros da pobreza e criou um dos maiores mercados consumidores do mundo, hoje mal garante o “pibinho” do curto prazo. Se o país sonha em um dia ser chamado de “desenvolvido”, terá de ir além.
A receita é simples e conhecida. A dificuldade em aplicá-la reside no fato de que ela exige uma profunda mudança de hábito. Teremos de abandonar nossa ancestral obsessão pelo rápido, cômodo e indolor e substituí-la por uma mentalidade de longo prazo. Teremos, enfim, de levar a sério a máxima de que antes de colher é preciso semear, cultivar e, sobretudo, ter paciência.
Não será fácil. Na definição do ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros, os brasileiros são “cigarras que trabalham”: suam a camisa, mas, ao contrário da formiga da fábula, não têm o costume de se precaver para o futuro. E nosso futuro reserva, entre outros tantos desafios, o da demografia: a fração de idosos na população está aumentando e a de jovens, diminuindo. Isso significa, por exemplo, que nossa já deficitária Previdência Social terá cada vez mais beneficiários e menos contribuintes.
O que fazer
Com base em artigos, livros e entrevistas, a Gazeta do Povo preparou uma lista de cinco resoluções que, se cumpridas ao longo dos próximos dez anos, poderão nos colocar a caminho de um “feliz bicentenário”. É sabido que, por mais bem-sucedido que seja, o país dificilmente chegará a 2022 em uma condição de desenvolvimento similar à dos países mais avançados. Mas dá para chegar perto.
“Ter um feliz 2022 não é um resultado fácil de ser obtido. Vamos imaginar que o ‘feliz’ signifique um país com alto nível de produtividade e baixo nível de desigualdade. Neste caso, não chegaremos lá. Mas poderemos nos considerar no caminho certo se fizermos nossa tarefa de casa”, diz Cláudio Shikida, professor e pesquisador de Eco­nomia do Ibmec/MG.
O leitor notará que a lista de resoluções não inclui propostas como manipular o câmbio, proteger a indústria nem escolher os setores da economia que “merecem” vencer. A ideia desta reportagem foi enumerar escolhas e tarefas que possam nos ajudar a caminhar pelas próprias pernas – é isso, afinal, o que se deve esperar de um país independente.
1 - Difícil encontrar quem discorde: se o Brasil tivesse de escolher uma única frente para concentrar os esforços para se tornar um país mais desenvolvido, ela teria de ser a educação básica. “Um país em que os jovens terminam a educação básica sem autonomia para montar e tocar seu projeto de vida não é um país independente”, resume Priscila Cruz, diretora-executiva do mo­­­­vimento civil Todos pela Educação.
Uma sociedade pouco escolarizada exige pouco de seus governantes e não participa da discussão e da escolha de políticas públicas. Tem renda média limitada, já que a maioria dos trabalhadores ocupa vagas de baixa qualificação. É mais desigual, pois a minoria esclarecida absorve a maior parte das riquezas. É também uma sociedade pouco inovadora, feita de instituições e empresas ineficientes.
Por isso, melhorar a educação brasileira é hoje tão importante quanto foi derrotar a inflação nos anos 1990. Mas será bem mais trabalhoso. Embora nas últimas duas décadas tenha havido um avanço expres­­sivo no acesso à escola e na alfabetização, a qualidade continua precária. O grau de aprendizado dos alunos do ensino fundamental avança, mas muito devagar, e o ensino médio enfrenta uma assustadora estagnação.
“Essas fragilidades se refletem até nos gargalos de infraestrutura. O Brasil tem séria dificuldade de planejar e executar projetos”, exemplifica Armando Dalla Costa, profes­­sor do mestrado e doutorado em Desenvolvimento Econômico da UFPR.
Negligência
Estudo dos economistas Fer­­nando de Holanda Barbosa Filho e Samuel Pessoa mostra que os 5,2% do PIB que o governo investe em educação estão bem próximos à média dos países desenvolvidos (5,7%). O problema está na distribuição dos recursos, que negligencia a educação básica. O gasto público brasileiro com o ensino médio, por exemplo, é de apenas US$ 1.427 por aluno, menos de um sexto do que a Coreia do Sul investe (US$ 9.620). Por outro lado, o ensino superior brasileiro recebe US$ 10.950 por aluno, mais que o sul-coreano (US$ 8.920).
“Além de mais investimento, precisamos de uma boa gestão da rede de escolas. De uma formação dos professores voltada à sala de aula, e não só à teoria. E de uma política de valorização que estimule os melhores alunos do ensino mé­­dio a seguir a carreira docente”, diz Priscila Cruz, do Todos pela Educação. “Mas essas políticas têm de ser conduzidas de forma harmônica. Não adianta apostar em apenas uma delas.”
2 - Sim, o governo gasta muito e gasta mal. Mas a culpa não é só dele. A má qualidade e o constante crescimento das despesas públicas, que alimentam o avanço da carga tributária e limitam os recursos disponíveis para investimentos, têm a chancela da sociedade. São frutos de nossas escolhas.
A partir da “Constituição Cidadã” de 1988, que consagrou no Brasil o Estado do bem-estar social, nos convencemos de que tudo deve ser assegurado pelo governo. Levando esse princípio às últimas consequências, com o passar dos anos nossos representantes no Congresso e no Poder Executivo criaram uma infinidade de despesas obrigatórias e uma generosa legislação previdenciária que engessaram quase todo o Orçamento.
O resultado é que o gasto público cresce sempre mais rápido que a própria economia brasileira. Pior: há pouquíssimo espaço para cortes, por causa da rigidez nas despesas com transferências a estados e municípios, pessoal, INSS e outras.
Proposta
Levando em conta essa rigidez dos gastos, os economistas Fabio Giambiagi e Fernando Honorato Barbosa chegaram a uma fórmula para os próximos dez anos na qual, apenas moderando o crescimento da despesa, o governo conseguiria ampliar o investimento e ainda diminuir sua dívida. Eles propõem dois limites, a serem estabelecidos em lei: 1) o desembolso com pessoal não pode subir mais de 1,5% ao ano; e 2) a despesa total crescerá 1 ponto porcentual abaixo do avanço do PIB, de forma que, se a economia crescer 4%, o gasto não aumentará mais que 3%. Além disso, a regra para correção do salário mínimo teria de ser trocada: em vez de inflação mais variação do PIB de dois anos antes, seria de inflação mais 1% ao ano.
A simulação indica que, com essas medidas, a dívida líquida do setor público cairia de 35% para 10% do PIB em 2022. Também em relação ao PIB, as contas públicas, hoje deficitárias, passariam a ter um superávit anual de mais de 2%, o que abriria espaço para o investimento federal saltar de 1% para 3% e o investimento total da economia, de 19% para os sonhados 25%. E mesmo com os ajustes propostos, haveria, segundo os economistas, “um importante aumento per capita das despesas sociais” com saúde, educação, Bolsa Família, benefícios assistenciais e INSS.
Mas, como dizem os autores do estudo, “fazer políticas públicas requer escolhas, tomada de decisão e disciplina”. E isso não depende só de vontade do governo ou do parlamento, mas da chancela dos brasileiros.
3 - O Brasil investe pouco, e país que investe pouco não tem perspectiva de crescimento duradouro. Está condenado a avançar lentamente ou a viver de “voos de galinha”, alternando breves períodos de expansão forte com outros de estagnação. Está fadado a ter custos de produção crescentes e empresas menos competitivas.
A fórmula não tem segredo: quanto maior o desembolso com máquinas e equipamentos (para produzir e transportar outros bens) e obras de infraestrutura (para garantir energia à indústria e facilitar o escoamento da produção), maior será a capacidade da economia de crescer de forma sustentável, sem provocar desequilíbrios capazes de freá-la na sequência.
Para se ter ideia de quanto o Brasil negligencia esse princípio, basta recordar o que ocorre com rodovias, portos e aeroportos quando a economia vai bem, ou observar o que se passa com as redes de telefonia móvel depois de anos de venda recorde de aparelhos.
Especialistas defendem que, para crescer 5% ao ano, o Brasil teria de investir entre 23% e 25% do PIB, o que conseguiu no “milagre econômico” dos anos 1970 e em parte da “década perdida” de 1980. Mas hoje estamos longe disso. Em 2011, o setor público e as empresas investiram o equivalente a 19,3% das riquezas geradas pelo país, e no primeiro semestre deste ano a taxa caiu a 18,3%, índice capaz de sustentar um crescimento anual de 3% ou 4%, apenas.
Boa parte da culpa é do setor público, que, asfixiado pelo aumento dos gastos correntes, tem de investir menos e manter nas alturas a carga tributária – que, por sua vez, inibe o investimento privado. “Embora cobre mais impostos que na década de 1970, o setor público investe hoje menos que naquela época”, diz o economista Mansueto Almeida. Em 1976, governos arrecadaram 25% do PIB e investiram 4%; no ano passado, os índices foram de 36% e 2,5%, respectivamente.
De acordo com o economista Cláudio Frischtak, presidente da consultoria Inter.B, os recursos destinados especificamente à infraestrutura não são suficientes nem para preservar o que já existe: a manutenção exige cerca 3% do PIB ao ano, mas, mesmo com o impulso do PAC, de 2008 a 2011 o país aplicou só 2,3% do PIB no setor.
Bom sinal
O recém-lançado programa de concessões vai melhorar um pouco o quadro: nos cinco primeiros anos, deve incrementar os recursos para infraestrutura em 0,4% do PIB. “A presidente Dilma foi pragmática. Finalmente reconheceu que o governo não consegue investir mais e convocou o setor privado”, diz Almeida. Apesar dessa boa notícia, os especialistas insistem: o governo tem de melhorar a execução de seus próprios projetos, o que exige, entre outras coisas, a despolitização de órgãos e estatais responsáveis pelo setor.
4 - Um episódio da época do Brasil colonial ajuda a ilustrar a importância da pesquisa e da inovação para o sucesso econômico.
Quando D. João VI e a corte portuguesa se mudaram para o Brasil, em 1808, a mineração – sua principal fonte de sustento – definhava. Quem apontou a saída foi um geólogo alemão: para compensar o esgotamento do ouro de aluvião, depositado em margens e leitos de rios, era preciso investir na busca pelo ouro escondido nas entranhas da terra. Mas, como conta Lucas Figueiredo no livro Boa ventura!, a tarefa exigia estudar o solo, usar maquinário, construir galerias subterrâneas. Nada feito: a coroa e os mineradores não estavam dispostos a desenvolver um novo método nem apostar no desconhecido, muito menos esperar por resultados. Quem o fez, décadas depois, foram as mineradoras estrangeiras.
O desprezo pela pesquisa ficou para trás, mas o montante que o Brasil destina a ela ainda deixa a desejar. Em 2010, o país investiu só 1,16% do PIB em pesquisa e desenvolvimento (P&D), não muito mais que dez anos antes (1,04%). Os países da OCDE gastam em média 2,4% do PIB nessa área. A Coreia do Sul desembolsa 3,7%; Israel, 4,4%.
A relevância do Brasil na publicação de artigos científicos tem crescido: saltou de 1,3% para 2,7% do total mundial entre 1999 e 2009. Mas ainda falta transformar a pesquisa em produtos e serviços inovadores ao alcance da sociedade. O número de patentes brasileiras é muito baixo: enquanto os sul-coreanos conseguiram 12.508 registros nos Estados Unidos em 2010, o Brasil obteve 219.
O investimento brasileiro também está muito concentrado no governo, responsável por 53% dos aportes em P&D em 2010. Em paí­ses como Alemanha, Coreia do Sul e Japão, mais de dois terços dos investimentos são feitos pelo setor privado. Uma das explicações para a timidez das empresas brasileiras está no fato de que nossa economia ainda é relativamente fechada. Protegidos da concorrência estrangeira, muitos setores não veem por que aprimorar sua gestão nem seus produtos.
Fronteira
Para Lucas Dezordi, economista-chefe da Inva Capital e coordenador do curso de Economia da Universidade Positivo, a área ambiental é uma fronteira promissora a ser explorada pela ciência brasileira. “Preservar não significa desprezar o potencial econômico. A integração de economia e meio ambiente se dará pelas fronteiras da tecnologia”, diz.
Um estudo de Elimar Pinheiro do Nascimento e Alexandre Mattos de Andrade segue a mesma linha: “Incentivos governamentais diretos, combinados com a corrida para a imagem verde nas empresas, reforçariam o estímulo para inovações tecnológicas orientadas para a descarbonização da economia”, afirmam os pesquisadores.
5 - O setor público pode fazer muito para estimular o crescimento da economia brasileira, mas há ao menos um caso em que o ideal é que ele se abstenha: o Estado precisa urgentemente parar de atrapalhar quem se arrisca a empreender. Quase dois séculos de independência não bastaram para abandonar esse vício, subproduto do regime cartorial que herdamos da coroa portuguesa.
Hoje quem pretende abrir uma empresa no Brasil tem de cumprir 13 procedimentos, o que demora em média 119 dias, segundo o estudo “Doing Business”, do Banco Mundial. Em uma lista de 183 países, só quatro (Suriname, Congo, Venezuela e Guiné Equatorial) tomam mais tempo dos empresários iniciantes. Na média dos países desenvolvidos que fazem parte da OCDE, o processo exige apenas cinco procedimentos e 12 dias.
Tempo perdido
A burocracia brasileira diminuiu nos últimos anos– em 2007 eram 17 etapas e 150 dias – graças a algumas iniciativas do governo. Mas continua monstruosa, e não se restringe aos primeiros passos de uma empresa. Depois de aberta, ela terá de enfrentar outras maratonas, como a do pagamento de impostos. “Tão problemático quanto o tamanho dos tributos é o tempo que se gasta para pagá-los”, diz o economista Adolfo Sachsida, professor da Universidade Católica de Brasília (UCB).
De acordo com o “Doing Business”, as empresas brasileiras gastam 2,6 mil horas por ano para preparar e pagar os principais impostos e contribuições previdenciárias. Um recorde. As firmas bolivianas, em segundo lugar da lista, perdem “apenas” 1.080 horas; em países da OCDE, gasta-se 186 horas, em média.
O tempo perdido no Brasil tem muito a ver com a necessidade de acompanhar constantes mudanças nas regras. União, estados e municípios editam em média 46 normas tributárias por dia útil, mais de 11 mil por ano, segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT).
“Todo dia as casas legislativas aprovam dezenas de ‘pequenas leis’ que, juntas, vão travando mais e mais a atividade empresarial. Isso mina a produtividade e, portanto, o crescimento de longo prazo”, diz Sachsida. “O sucesso econômico de um país está intimamente ligado ao seu grau de liberdade econômica. Enquanto punirmos quem quer produzir, de pouco adiantam os esforços em outras direções.”
Um estudo de Fernando Veloso, professor do Ibmec/RJ, defende menos barreiras não só à criação de empresas, mas também ao fechamento delas – que demora em média quatro anos, segundo o Banco Mundial. O excesso de regulação, diz Veloso, inibe a entrada de firmas mais eficientes e a saída das menos produtivas, perpetuando a ineficiência.

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