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segunda-feira, 30 de abril de 2012

Índios urbanos tentam manter cultura


Henry Milléo / Gazeta do Povo / A índia Santina Inácio Elias ocupa o tempo com a confecção de cestos em Kakané PorãA índia Santina Inácio Elias ocupa o tempo com a confecção de cestos em Kakané Porã
DIVERSIDADE

Curitiba abriga hoje 2,7 mil índios espalhados pela maioria dos bairros. A quarta maior concentração da capital fica na aldeia Kakané Porã.

Longe das aldeias e do habitat de seus ancestrais, os índios que hoje vivem em Curitiba se espalham por 72 dos 75 bairros existentes. Com uma população estimada em 2.693 pessoas pelo IBGE, os indígenas representam pouco mais de 0,15% dos 1,7 milhão de moradores da capital. Dispersos no meio urbano, os índios estão mais concentrados na Cidade Industrial (318), Sítio Cercado (238), Cajuru (152), Campo do Santana (133) e Alto Boqueirão (114). Para o líder kaingangue Alcino Kakupri, esses dados são exemplo de que o índio é “um estrangeiro em sua própria terra”.
Disseminação
Projeto de turismo etnográfico prevê parque indígena
A comunidade indígena da Kakané Porã quer ir além dos muros da aldeia urbana no Campo do Santana, em Curitiba. Entre os projetos para garantir a sobrevivência da comunidade, está a construção do Parque Etnoturístico Kakané Porã. Há três anos, o grupo formado pelas nações kaingangue, guarani e xetá vem burilando o projeto, a ser instalado do outro lado da Rua Delegado Bruno de Almeida, onde fica o conjunto habitacional.
Para Alcino Kakupri, uma das lideranças kaingangue, o local será o primeiro parque urbano administrado e gerido totalmente por índios. Para Kakupri, esse é um sonho dos líderes e da comunidade para relembrar a cultura ancestral e oferecer um espaço de convívio entre índios e não-índios. “Será mais um ponto turístico de Curitiba. Em 366 anos, o município não criou nada especificamente para o índio. Só moradia não garante a sustentabilidade da cultura.” Atualmente, o documento está em análise na Coordenação de Ação Cultural da Secretaria de Estado da Cultura do Paraná.
No projeto está previsto a construção de ocas (moradias indígenas), espaços para a venda de artesanato, realização de oficinas e workshops, a construção de um museu com a representação das três nações, mostra de remédios naturais, criadouro de animais silvestres, mostra de caça e apresentações de dança. Além do aspecto cultural, a ideia é incentivar o desenvolvimento econômico, social e ambiental com base no etnoturismo. A área que deverá abrigar o parque tem 23 hectares e pertence à Companhia de Habitação Popular de Curitiba (Cohab).
Educação
Na área de 44 mil metros quadrados também deverá ser instalada uma escola indígena. Conforme informação da Secretaria de Estado da Educação, a construção da Escola Estadual Indígena Kejer Minffi, inclusa no Plano de Ações Articuladas 2012, do Ministério da Educação, deverá iniciar neste ano e estar em funcionamento no ano letivo de 2013. Enquanto isso, um professor linguista deverá iniciar as aulas do idioma kaingangue no contraturno escolar, a partir desta semana. “É importante mantermos nossa cultura viva”, comenta Kakupri.
Além da escola, também está prevista a constituição de uma horta comunitária e a instalação de um sistema de produção de apicultura, com abelhas sem ferrão. O chefe da coordenação técnica local da Funai, João Luiz Serpa Silvério, avisa que está em estudo a construção de uma Casa de Passagem Indígena e um museu, em um terreno doado, na Vila Izabel. Projetos de acomodação temporária para índios também são desenvolvidos em Francisco Beltrão e Cascavel. Em Maringá e Ponta Grossa, o espaço já está em funcionamento. (AP)
Juventude
O Censo 2010 aponta que o Paraná tem mais de 25 mil índios. Destes, 20.929 moram no interior e 4.986, na Região Metropolitana de Curitiba. A prevalência é de população jovem (até 24 anos), com 48%. Na Kakané Porã, na capital, os índices demonstram que 61% dos moradores da aldeia também se enquadram nessa faixa etária.
No entanto, para amenizar o impacto sociocultural, desde 2008, mais de 140 índios vivem em Kakané Porã, a primeira aldeia urbana da Região Sul e a terceira do país, formada por casas de um conjunto habitacional da Companhia de Habitação Popular de Curitiba (Cohab) situado no bairro Campo do Santana. Muitos moradores vieram de aldeias do interior do Paraná e do Rio Grande do Sul. E a adaptação não foi fácil, confessa o cacique Carlos “Kajer” dos Santos, 47 anos, ao lembrar-se da sua trajetória antes de sair do Parque do Cambuí, localizado na Região Metropolitana.
Kajer recorda do dia em que o grupo chegou à aldeia para ocupar as casas oferecidas pela Cohab. “Fomos recebidos com protestos, mas só queríamos ter uma moradia digna”, lamenta. Para o filho Carlos Ubiratan dos Santos, 25 anos, o preconceito sentido anteriormente não existe mais. “Tenho muitas saudades. Gostaria que meu filho estivesse lá [em Mangueirinha, onde o pai nasceu], mas não tínhamos mais oportunidade por lá.”
Perfil da aldeia
Assim como o grupo – composto por membros das tribos kaingangue, guarani e xetá –, o engenheiro agrônomo e indigenista Edívio Batistelli também vê a dispersão como um fator social e econômico. Os índios saem do aldeamento rural, principalmente, em busca de comércio para os produtos artesanais e educação. A criação da aldeia urbana Kakané Porã – ou “fruto bom da terra” – surgiu exatamente para agregar os povos migrantes.
Para Batistelli, a constituição da aldeia urbana possibilitou aos índios oportunidades – artesanais ou não – e o retorno para o ambiente coletivo, onde é possível dividir com o grupo as dificuldades de viver em uma cidade. “Na medida que se aproximam, é bom para todos. A sobrevivência do índio depende do conhecimento.”
Atualmente, 35 famílias vivem em uma área de 44 mil metros quadrados da Kakané Porã. Além das casas coloridas, que abrigam – na maioria delas – peças de artesanato expostas nas paredes, o conjunto habitacional tem uma praça. No centro, uma oca de madeira serve para cultos e apresentações culturais. Para orgulho do vice-cacique Alcino Kakupri, o conjunto tem o objetivo de ensinar a tradição indígena para os mais jovens e manter os costumes entre os mais velhos.
A maioria vive do artesanato, como é o caso da sogra de Kakupri, Santina Inácio Elias, 57 anos, que veio de uma aldeia em Nonoai, no Rio Grande do Sul. Ela faz cestos que são vendidos no bairro e em feiras no centro de Curitiba. Diariamente, Santina ocupa o tempo com a raspagem da taquara, a tintura da fibra e o enlace do material. O marido, porém, é padeiro há 20 anos. Assim como ele, um vizinho rendeu-se à vida urbana e virou motorista de ônibus. E por aí vai. Para Kakupri, muitos dos jovens – que estudam em escola regular – sonham com a faculdade. E ele mesmo é produto da aldeia urbana, formado em Enfermagem, Teologia e Direito.
VIDA E CIDADANIA | 1:34

Kakané Porã, a aldeia urbana do Paraná

A aldeia abriga 35 famílias e está localizada no bairro Campo do Santana, em Curitiba. A Kakané Porã é a primeira aldeia urbana da Região Sul e a terceira do país. É formada por uma população jovem, com mais mulheres e que vivem na informalidade.

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