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Professor de Língua Portuguesa na Rede Estadual de Ensino - Governo do Paraná

domingo, 29 de abril de 2012

A língua morta que está viva por aí


Ilustrações: Benett /
PALAVRAS

Pequeno dicionário do jornalista Alberto Villas reúne cerca de mil termos cunhados a partir dos anos 1950 que caíram em desuso.

Ninguém quer passar “curé” por não entender “xongas”. E, para isso, nem é preciso ser um “bidu” ou juntar um “catatau” de livros para estudar. O jornalista e escritor Alberto Villas listou mais de mil palavras e montou o Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Morta, uma boa lista daqueles vocábulos que de pouco usados dão a impressão que se foram.
Passando dos 60 anos e com duas filhas ainda bem jovens, Villas era surpreendido com os comentários de como estava ficando velho quando falava determinadas coisas, já que as garotas não sabiam exatamente ao que o pai se referia. A partir daí, começou a guardar essas palavras em sua cabeça, além de lembrar-se de outras, que seus genitores falavam. Até mesmo as revistas antigas que colecionava foram fonte de pesquisa.
Ilustrações: Benett
Ilustrações: Benett / Ampliar imagem
Glossário
Entenda o significado de algumas palavras quase mortas citadas na reportagem:
Curé: vergonha, vexame.
Xongas: nada.
Bidu: quem sabe tudo.
Catatau: que é volumoso.
Delonga: sem se prolongar muito.
Grilado: preocupado.
Desopilar o fígado: relaxar, rir.
Fonte: Pequeno dicionário brasileiro da língua morta
“Nunca imaginei que isso ia dar um dicionário. A ideia de reunir isso em livro é para não correr o risco de as palavras sumirem para sempre”, conta. Foram dois anos de pesquisa e anotações até formar o livro. E muitas outras palavras, que já estão com um pé na cova, podem entrar em uma nova edição do trabalho.
Nascido no ano de 1950, o escritor priorizou as palavras mais usadas a partir dessa década e que hoje já não estão mais na boca do povo. “Não quis ir muito para trás. Coisas de mais de 100 anos, só a Dona Canô e o Oscar Niemeyer entenderiam”, brinca.
Villas conta que, ao escrever o livro, lembrou de palavras que povoaram sua vida. A preferida é cosmonauta, o equivalente a astronauta. “É uma lembrança de criança que eu acho bem bacana”, diz. Do outro lado, aquela que considera uma das palavras mais feias da língua portuguesa: o urinol, ou penico.
O escritor ainda confessa que gosta muito de palavras que mudam de sentido. “Quando eu era criança e falávamos ‘fulano tem gabarito’, queria dizer que tinha inteligência, classe. Hoje é resultado de vestibular”, relata. Ele ainda lembra de palavras que não são mais usadas, como nomes de tecidos. Como as pessoas não compram panos, poucos sabem o que é fustão (tecido de algodão fino e opaco com estampas extravagantes) ou tafetá (tecido de seda trançado). “É muita palavra que a gente falava e não fala mais”, conclui.
Cacofonia, a doença da frase
Lá pelos meados de 1980, um pontagrossense ocupou-se de reunir aquilo que chamou de quiproquós verbais. O engenheiro e escritor Eno Teodoro Wanke fez seu Dicionário de Cacófatos, com alguns exemplos daquilo que definiu como o vírus que se intromete na fala, um ruído na comunicação.
Wanke classificou o livro como útil, por ser uma “vacina contra a mensagem parasita”, e engraçado, porque não há como não se divertir com as mensagens disparatadas que o dicionário traz. “Os cacófatos são sempre contornáveis, mas é inegável constituírem eles uma praga, uma erva daninha, um joio se intrometendo, quando menos se espera, no trigo bom da comunicação através da palavra”, afirmou o autor na apresentação do livro.
De um lado catastróficos – afinal, um “por cada” sempre estraga um bom trabalho –, os cacófatos também podem ser usados propositalmente, para dar efeito humorístico e até lírico em determinadas passagens. Como exemplo, há uma popular trova cacofônica, em que os supostos versos de amor dão margem a uma interpretação menos romântica. “Meu coração por ti gela / meus olhos por ti são. / Já que não posso amar ela, / já nela não penso não.”
Nomes próprios
Mais do que o cuidado em frases, o autor também faz uma ressalva importante: os nomes próprios, que podem formar mensagens “estrambóticas”. Wanke defende que os pais devem tomar cuidado na escolha do nome dos filhos para que eles não sejam cerceados na vida pelo nome esquisito que têm, especialmente o primeiro.
“O sobrenome vem da família, não há como escapar dele. Mas, especialmente se o sobrenome tem características peculiares, podem os pais evitar, pelo menos, que formem mensagem com o primeiro nome”, defende. Entre os exemplos – reais, diga-se de passagem – citados no livro estão o cidadão paulista Armando Petisco, o carioca Olindo Barbas de Jesus, Nipon Karakaga Yama, a carioca Graciosa Rodela e Antônio Veado Prematuro.
“Por cada” inconveniente evitado, não custa atentar aos vocábulos. Afinal, a relação com o idioma não pode ser um “amor talhado” a morrer.
Morto há anos, o “tablet” foi ressuscitado
Mesmo que pouco usadas, palavras não podem ter sua morte decretada. Para o professor de Letras da Universidade Federal do Paraná Caetano Waldrigues Galindo, uma das leis básicas da linguística histórica é a de que não se pode fazer previsões e como a língua é um fato social, ela se rege por regras internas e externas. “Não podemos saber quando um tempero, uma cor ou uma palavra vão voltar a ter curso. Nem mesmo palavras que significam coisas, que se referem a objetos que caíram em desuso hão de necessariamente ficar quietinhas na tumba”, afirma.
Para explicar, cita o exemplo do aparato tecnológico do momento, o tablet. Ele explica que a língua inglesa viu a reintrodução desse vocábulo. “A palavra, que se referia às tabuinhas de barro com que se escrevia nos tempos antigos, agora está se referindo aos aparelhinhos digitais com que escrevemos hoje”, diz.
Galindo lembra que a gíria e a criatividade dos falantes é um mecanismo muito poderoso para regular o uso de algumas palavras. Além disso, a polissemia, os diversos significados de um mesmo vocábulo, pode fazer com que essa palavra tenha mais chance de sobreviver, porque um de seus significados continuará em uso.
Ou seja, sem mais “delonga”, não precisa ficar “grilado”: essa nostalgia é para “desopilar o fígado”.
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