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sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Ex-presos políticos se encontraram ontem no presídio do Ahú, onde foram encarcerados durante a ditadura


Henry Milleo/Gazeta do Povo / Dacio Villar foi detido com outros 41 estudantes quando organizava um congresso regional da UNE no bairro BoqueirãoDacio Villar foi detido com outros 41 estudantes quando organizava um congresso regional da UNE no bairro Boqueirão
REGIME MILITAR

De volta ao lugar onde se tornaram cativos

Ex-presos políticos se encontraram ontem no presídio do Ahú, onde foram encarcerados durante a ditadura.
Da janela do seu apartamento, Elisabeth Fortes acompanha a demolição do presídio do Ahú. A jornalista de 67 anos vê de perto a derrocada do lugar onde passou um ano e meio presa, no auge da ditadura militar. “Quase voltei para casa para buscar meu alvará de soltura”, disse ela ao entrar na antiga prisão ontem pela manhã, em uma visita com outros ex-presos políticos. Embora não possa mais ser detida, entrar no lugar causa estranhamento. “Acaba trazendo algumas recordações que machucam, mas também revejo pessoas queridas, há muito distantes”, diz.
A primeira vez em que entrou no presídio foi em dezembro de 1968, poucos dias depois da promulgação do AI-5. Elisabeth estava no grupo de 42 estudantes que foram presos na Chácara do Alemão, no bairro Boqueirão, enquanto tentavam organizar um congresso regional da União Nacional dos Estudantes (UNE). Os jovens ainda estavam se organizando quando a polícia do exército chegou. “Comecei a correr e hoje me lembro de um militar jovem que gritava e me mandava parar. Na terceira vez ele falou ‘pare ou eu atiro’. Fui presa”, lembra.
Memória
Ações de resistência ao regime são lembradas em Caravana da Anistia
Marcos históricos de resistência à ditadura militar em Curitiba foram rememorados ontem, na abertura da 63ª Caravana da Anistia. A ação é um mapeamento dos locais ligados à violação dos direitos humanos durante o regime ditatorial e começou no antigo presídio do Ahú, passando também pelo pátio da Reitoria da UFPR e pelo prédio histórico da universidade, além da Boca Maldita. Também fazem parte das atividades mesas e debates.
A caravana ainda terá um dos maiores julgamentos de requerimentos de anistia política do país. Hoje, a Comissão Nacional de Anistia vai analisar 42 casos, em que será apurada a responsabilidade do estado brasileiro nas violações de direitos humanos cometidas no Paraná. Os julgamentos serão realizados na sede da OAB-PR e são abertos ao público. As ações precedem a vinda da Comissão Nacional da Verdade ao estado, marcada para ocorrer em novembro.
Grades
Na época, Elisabeth tinha 23 anos. Ela e os outros detidos foram levados até o presídio do Ahú. O consultor Dacio Villar, de 68 anos, era um deles. “Colocaram-nos em um camburão e rodaram um dia, sem água nem banheiro. Depois nos trouxeram para cá. Passei por dois portões para entrar. Quando o segundo fechou, vi que era sério”, conta. Ele tinha 22 anos.
O grupo passou por uma triagem e 15 foram julgados e condenados. Entre dezembro de 1968 e julho de 1970, o Ahú foi a casa de vários estudantes. “Nosso julgamento foi uma farsa. Um militar dormia enquanto éramos julgados. Ele não precisava prestar atenção em nada, as cartas já estavam marcadas”, recorda Villar.
No presídio, ficavam separados dos outros presos, porque eram considerados subversivos. Os 13 homens viviam na sala da biblioteca e as duas mulheres ficavam em uma cela. Embora não tivessem liberdade, escaparam da tortura. “Muita gente sabia como e onde estávamos, então não nos tocavam. Mas vimos muitos presos nunca mais voltarem”, lembra Villar.
A vida atrás das grades teve um começo difícil: por cerca de 60 dias, eles mal saíram dos prédios. Depois, graças à pressão de familiares e amigos, foram conquistando algumas regalias: recebiam temperos e tinham um fogareiro elétrico, com o qual repaginavam a comida da prisão, e conseguiam fazer as refeições juntos.
Para se distrair, criaram uma rotina de atividades. Eles estudavam e alternavam momentos de silêncio e reflexão com atividades físicas, graças ao conhecimento em artes marciais de um dos detidos.
Ao sair, o baque. Era difícil retomar os estudos, porque muitas faculdades não os aceitavam. Não conseguiam trabalho, porque haviam sido presos. Mas, mesmo com adversidades, conseguiram refazer a vida antes do fim do regime. “Alguma coisa mudou no mundo e principalmente no Brasil depois disso tudo. Nossa luta não foi em vão”, diz Villar.
Depoimentos
Um mandado para se formar
João Bonifácio Cabral Junior, 66 anos
Quando foi preso, em 1968, João Bonifácio Cabral Junior era o presidente do diretório acadêmico de Direito da Universidade Católica. Ele tinha 22 anos, foi condenado a 4 anos de reclusão, mas ficou apenas um ano e meio preso. Quando saiu da detenção, voltou para a faculdade e terminou o curso de Direito. “Três dias antes da minha formatura, recebi um telegrama do Ministério da Educação que cassava minha colação”, lembra. Ele repetiu o ano e para se formar, teve de entrar com um mandado para garantir a colação de grau. “Quando volto aqui [no presídio do Ahú], sinto um pouco de orgulho, porque consegui tocar a vida”, diz.
Vivendo na clandestinidade
Dacio Villar, 68 anos
Quando saiu da prisão, em 1970, Dacio Villar não tinha para onde ir. Sua matrícula na faculdade foi recusada, ele foi proibido de voltar a Casa do Estudante Universitário, onde vivia, e não tinha emprego. Villar decidiu voltar para Londrina, no Norte do Paraná, onde vivia sua família, mas não pode ser recebido: os familiares foram ameaçados com prisão caso o aceitassem de volta. “Fui para São Paulo, onde vivi na clandestinidade. Comecei a ser caçado pelos militares e fugi”, lembra. Ele rodou o Brasil por seis meses, passando pela Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro, onde se estabeleceu e formou família. “Não mudei de nome, mas criei outra identidade. Fui mais privilegiado que outros, que não tiveram a mesma sorte de escapar”, diz.
A ordem é jubilar
Elisabeth Fortes, 67 anos
Elisabeth Fortes demorou três anos para conseguir retomar o curso de jornalismo na UFPR depois que saiu da prisão. A matrícula era constantemente negada porque a faculdade alegava que ela ainda era uma liderança do movimento estudantil e não poderia voltar. “No terceiro ano que tentei, fui aceita. Fiquei mais dois anos e uma das professoras me mandou transferir o curso para a Católica porque a ordem era de me jubilar”, diz. Depois de formada, veio a luta para conseguir um emprego. Custou a ser aceita, por causa da prisão. Ela começou a trabalhar no Canal 4, quando ainda era o afiliado da Rede Globo, por intervenção de um professor. “Ele disse eu me conhecia e se responsabilizaria por mim. Achei um ato tão bonito e gentil”, diz.
“Desculpe, foi engano”
Elisabeth Fortes, 67 anos, e Dácio Villar, 68 anos
No período em que ficaram presos, Elisabeth Fortes e Dacio Villar não foram torturados. A violência e agressividade do regime se voltaram contra a irmã de Elisabeth, uma estudante secundarista de 18 anos, que não tinha qualquer ligação com os movimentos contra a ditadura. “Minha irmã foi violentamente torturada. Depois de uma semana a devolveram e pediram desculpa, dizendo que tinham se enganado”, conta.
Dacio, que não tinha família em Curitiba e era próximo de Elisabeth, se emocionou ao lembrar de um relato da amiga, que considera emblemático. “Ela conta que quando tiraram sua roupa e a penduraram pelos punhos a primeira vez ela pensou: desmaio ou morro. Isso foi brutal, mas era a única decisão a ser tomada quando se entrava na tortura”, diz.
“Ela era linda, uma bonequinha”, conta Elisabeth. Sua irmã teve sessões de tortura com pau de arara e choques elétricos. “Eles a colocaram em um helicóptero e levaram para as Cataratas. Ameaçavam jogá-la se ela não falasse, mas ela não tinha nenhum envolvimento. Isso é imperdoável”, afirma.

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