Josué Teixeira / Gazeta do Povo
Perto de completar 60 anos, a zeladora Maria das Graças aprendeu a ler e escrever: "Agora fico muito emocionada toda vez que leio a Bíblia"Universalização do ensino público e alfabetização de jovens e adultos ajudam a tirar 2 milhões de brasileiros do limbo educacional.
Dois milhões de brasileiros aprenderam a ler e escrever na década passada, segundo o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2000, o contingente de analfabetos somava 16 milhões de indivíduos. Dez anos depois, caiu para 14 milhões. No período, os indicadores de mais de 200 cidades do país evoluíram a ponto de serem consideradas livres do analfabetismo.
Desde 2007, o Ministério da Educação (MEC) reconhece como municípios livres desse mal aqueles que conseguem atingir uma taxa inferior a 4% de pessoas não alfabetizadas na população com 15 anos ou mais de idade. Ao todo, segundo o Censo 2000, o país tinha 64 cidades que conseguiram erradicar o analfabetismo, três delas no Paraná: Quatro Pontes, Entre Rios do Oeste e Curitiba.
Lições
Persistência e motivação são chaves para o sucesso no ensino de adultos
A zeladora Maria das Graças Juste, de 59 anos, descobriu a Educação de Jovens e Adultos (EJA) em Ponta Grossa há pouco mais de dois anos. Ela já cursou todo o primeiro segmento (1º a 5º ano do ensino fundamental) e está no segundo (6º a 9º). Maria foi estimulada pelos filhos e também pela empresa onde trabalha. “Fico muito emocionada toda vez que me lembro disso, da sensação de poder ler a Bíblia. No começo, tive dificuldades, mas segui em frente”, conta.
A professora que ajudou Maria a retomar os estudos, Eliane Stadler, trabalha com EJA há 11 anos na Escola Municipal Prefeito Plauto Miró Guimarães. “O nosso principal papel, enquanto educadores, é a motivação. Nós vamos atrás dos alunos que deixam de frequentar as aulas, insistimos para voltarem. Não tem ninguém nesta sala de aula que não quer nada com nada”, diz.
Mas nem todas as pessoas dão prosseguimento aos estudos. Também em Ponta Grossa, Rosenilde de Fátima dos Santos, de 31 anos, chegou a começar duas vezes os estudos na EJA da Escola Municipal Prefeito Amadeu Puppi, que já não oferece mais o serviço. No entanto, nas duas ocasiões, há três anos, ela fez apenas um mês de aulas. “Tenho problemas por não saber ler nem escrever”, conta. Mesmo assim, Rosenilde afirma que a criação dos filhos e o trabalho a impedem de voltar a estudar. “Também não tenho mais vontade. Para mim é difícil sair à noite.” (DK)
Título estadual
29 cidades não mantêm status
O Paraná já chegou a ter 34 cidades declaradas territórios livres do analfabetismo. A concessão do título foi feita pelo próprio governo do estado, durante a gestão de Roberto Requião, mas adotava padrões distintos dos adotados pelo Ministério da Educação (MEC). As cidades de Japira, Flórida e Itaipulândia, por exemplo, foram algumas das que receberam o título. O Censo 2010, porém, registrou índices de analfabetismo de 11%, 9,1% e 7,7%, respectivamente, nos três municípios.
Segundo João Carlos de Oliveira, da Secretaria de Estado da Educação, apenas cinco dessas 34 cidades podem ser consideradas livres do analfabetismo pelos padrões do MEC. “O que a gente notou é que, na maioria das 29 cidades que não confirmaram o título com o MEC, o único agente de alfabetização era o próprio governo estadual. Por isso, estamos incentivando a criação e a ampliação da EJA nas cidades”, explica.
Os municípios do Paraná com as piores taxas de analfabetismo no Censo 2010 são Rosário do Ivaí (19,53%), Itaúna do Sul (19,28%) e Corumbataí do Sul (19,22%). (DK)
Já no último levantamento do IBGE, em 2010, o número de cidades brasileiras livres do problema aumentou mais de quatro vezes, passando para 283. No Paraná, mais 15 cidades se somaram à lista: Bom Sucesso do Sul, Nova Santa Rosa, Mallet, Maringá, Maripá, Pinhais, São José dos Pinhais, Rio Negro, Araucária, Paulo Frontin, Ponta Grossa, Pato Bragado, São Mateus do Sul, Marechal Cândido Rondon e Paranaguá.
Para especialistas, um fator que contribuiu diretamente para a queda do índice foi a universalização do ensino público nos últimos anos. Cada vez mais crianças estão entrando em sala de aula ainda em idade escolar e, como consequência, cresce a quantidade de jovens que completam 15 anos de idade alfabetizados, ainda que alguns não estejam mais estudando. Outro fator é que muitas pessoas só conseguem voltar a estudar, ou mesmo começam seus estudos, já na juventude ou na idade adulta. Nesse aspecto, a Educação de Jovens e Adultos (EJA) nos municípios e os programas de alfabetização ainda têm um papel fundamental.
Avanço
A cidade de Ponta Grossa (Campos Gerais), por exemplo, em dez anos, conseguiu reduzir de 5,71% para 3,3% a sua taxa de analfabetismo. Em 2006, as atividades da EJA na cidade foram intensificadas. “Naquele ano, nós fizemos um minicenso educacional e ouvimos mais de 30 mil pessoas, cerca de 10% da população de Ponta Grossa, para saber quais comunidades mais precisavam ter acesso à EJA. Começamos com turmas em 45 escolas e hoje temos apenas 16 turmas, cada uma com 15 alunos em média. Mas isso é um processo natural. É um trabalho feito para se extinguir, além de sinalizar que temos cada vez menos pessoas analfabetas na cidade”, afirma a secretária de Educação do município, Zélia Marochi.
Ela explica que a alfabetização é apenas uma parte do programa de aprendizado. Em dois anos, os alunos podem cursar do primeiro até o quinto ano do Ensino Fundamental. “Eles também podem fazer uma prova durante o curso e, se aprovados, passam direto para o módulo seguinte, entre o sexto e o nono ano do fundamental”, explica. Segundo Zélia, o município já investiu cerca de R$ 1,8 milhão na EJA desde 2006. Cerca de 4 mil pessoas já se alfabetizaram por meio do programa. As aulas são realizadas todas as noites da semana em algumas escolas municipais.
Analfabeto funcional ainda é um problema
Apesar do crescimento do número de municípios livres do analfabetismo, outro problema persiste: o analfabetismo funcional. Integram esse grupo as pessoas que conseguem ler, mas não compreendem o sentido de um texto e tampouco se expressar com a escrita. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) de 2009, do IBGE, mostra que 20% da população brasileira com 15 anos ou mais de idade não chegaram a completar quatro anos de estudos e, por esse critério da pesquisa, são considerados analfabetos funcionais.
Para a professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (Feusp), Maria Clara di Pierro, esse é um quadro que não pode ser ignorado. “Os números da erradicação do analfabetismo podem até ser comemorados, mas isso não pode dar a sensação de que o problema foi superado, porque ele aparece, depois, na forma do analfabetismo funcional”, ressalta.
Para ela, uma solução possível são políticas públicas que deem prioridade à Educação de Jovens e Adultos (EJA) para que os alunos se interessem em prosseguir no processo de escolarização. Maria Clara defende que isso comece a ser feito na própria sala de aula. “Alguns educadores, pela falta de uma formação adequada, baseiam-se no mesmo modelo da educação infantil para ensinar os adultos. Eles precisam entender que essas pessoas não têm obrigação de estar ali e, por isso, precisam se sentir continuamente estimuladas”, orienta.
Projeto Paraná Alfabetizado reforçou ações
Cidades que apostaram na Educação de Jovens e Adultos (EJA) ou em modelos parecidos também conseguiram reduzir significativamente seus índices de analfabetismo. Em Maringá (Norte), por exemplo, a taxa caiu de 5,39% para 3,3%. O serviço foi criado em 2005 e já alfabetizou quase 900 alunos. Só no ano passado, sem contar a folha de pagamento, o município investiu R$ 300 mil no programa. A secretária de Educação de Maringá, Edith Carvalho, diz que a cidade se tornou livre do analfabetismo também devido a uma parceria com o governo do estado, por meio do programa Paraná Alfabetizado. “Foi a união dessas forças que proporcionou a erradicação”, assinala.
O programa estadual conta com equipes de educadores voluntários em mais de 380 cidades do Paraná. Parte dos recursos vem do Ministério da Educação (MEC). Diferentemente dos programas de EJA, em que os professores recebem o salário da categoria no município, as equipes do Paraná Alfabetizado contam com bolsas-auxílio que variam entre R$ 280 e R$ 540. Segundo o técnico pedagógico da Secretaria de Estado da Educação, João Carlos de Oliveira, desde que foi implantado, em 2004, o programa já alfabetizou cerca de 140 mil pessoas.
Desejo de mudar
O Paraná Alfabetizado também teve papel importante na erradicação do problema em Quatro Pontes (Região Oeste), que detém o menor índice de analfabetismo do estado: apenas 1,2%, segundo o Censo 2010. Como a cidade tem pouco mais de 3,7 mil habitantes, apenas 40 pessoas não sabem ler nem escrever no município. “São apenas aquelas que não têm condições ou não querem se alfabetizar”, ressalta a diretora do Departamento de Educação da Prefeitura de Quatro Pontes, Clotilde Rossato.
Quatro Pontes foi um dos três primeiros municípios paranaenses declarados livres do analfabetismo. Segundo Clotilde, as iniciativas da própria cidade, junto com o programa estadual, foram essenciais para o sucesso. “Outra ação que também contribuiu foi o projeto ‘Alfabetizando com Criatividade’”, conta. Em três anos, foram investidos R$ 40 mil na folha de pagamento das professoras.
Segundo ela, o foco, a partir de agora, é manter e até melhorar o índice investindo na educação infantil. “Hoje não tem nenhuma criança em idade escolar fora de uma sala de aula em Quatro Pontes”, ressalta Clotilde.
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