Sábado, 03/03/2012
tecnologia
comportamento
As novas formas de ver, escutar e pensar
Dois livros discutem o impacto da abundância
de informação na era da internet e chegam a conclusões opostas: para um,
é a possibilidade de melhorar a vida interior, para outro, é o fim do
pensamento profundo e da capacidade de prestar atenção
Publicado em 03/03/2012 | Breno Baldrati
Considere
um dia típico na vida de uma estudante de Psicologia. No Facebook, ela
lê uma fotomontagem com um texto de Chico Xavier postado por sua mãe. No
Instagram, vê fotos de uma amiga comendo camarão à beira da praia. No
YouTube, intercala um vídeo-tributo a Whitney Houston com um debate
sobre inato versus adquirido, tema da prova do dia seguinte. No Twitter,
opiniões mil sobre a guerra das tribos praia e selva do BBB, programa
que ela segue obsessivamente. Ainda lê as últimas novidades de um blog
de fotografia, um hobby pessoal, e a manchete do dia falando da
investigação sobre a morte de uma menina no parque de diversões Hopi
Hari. À noite, assiste ao Jornal Nacional durante o jantar com a família
e, antes de dormir, descobre duas músicas novas no Hype Machine.
Aparentemente,
a maneira como essa estudante fictícia absorve conteúdo parece caótica e
desordenada, desprovida de um sentido maior. Tyler Cowen, economista
americano conhecido por seu blog Marginal Revolution e autor do livro
Crie Sua Própria Economia – O Guia da Prosperidade para um Mundo em
Desordem, tem duas explicações para esse estilo de consumo de
informação, o qual defende veementente.
Quando as máquinas dizem o que importa
Você está trocando mensagens com amigos e, para sua surpresa, os anúncios publicitários que surgem no canto da tela têm a ver com a conversa.
A primeira é econômica.
Nas últimas décadas e principalmente após o surgimento da internet, a
tendência é que grande parte da nossa cultura venha em pedaços mais
curtos e menores. Pense no álbum de rock dos anos 1960 trocado por
faixas de músicas compactadas no iTunes. “Quando o acesso é fácil,
tendemos a favorecer o curto, o doce e o pequeno. Quando o acesso é
difícil, tendemos a procurar produções em larga escala, extravaganzas e
obras de arte”, escreve Cowen. Sob esse ponto de vista, estamos
entrando numa nova ordem mundial – de abundância de conteúdo –, na qual a
economia da informação deixou de ser um problema de escassez para se
tornar uma questão de filtro. Não se trata mais exclusivamente de uma
economia de gastar dinheiro, e sim de uma economia de atenção. Uma
mudança inclusive que tem impacto na necessidade de remuneração – hoje
muito menor do que há 10 anos – porque as possibilidades de experiências
proporcionadas pela cultura da web permitem que pessoas comuns possam
ter “vidas interiores” tão ricas e extraordinárias quanto Bill Gates ou
Warren Buffet, argumenta o autor.
A questão da “vida interior” é parte da segunda explicação de Cowen
para como estamos consumindo informação, ligada ao campo intelectual e
emocional. Segundo o economista, essa cultura de unidades e pedacinhos
cada vez menores e cada vez mais numerosos está aprimorando a nossa
existência mental interna e tornando-a mais coesa, e não mais caótica.
“A coerência encontra-se no fato de que você está recebendo um fluxo
contínuo de informação para alimentar a sua atenção constante. Não
importa quão díspares os tópicos possam parecer a quem olha de fora, a
maior parte do fluxo se relaciona com as suas paixões, seus interesses,
suas afiliações e com a maneira como tudo se coaduna. Na essência, tudo
diz respeito a você e isso é, de fato, um tópico favorito para muita
gente. Agora, mais do que nunca, você pode reunir e manipular unidades
de informação do mundo externo e relacioná-las com suas preocupações
pessoais”, defende.
Sociedade autista
Uma parte central do livro de Cowen é, supreendentemente, focado no
autismo e na neurodiversidade – as muitas formas de preferências mentais
e de estilos cognitivos. Os autistas são o que ele chama de “infóvoros”
– adoram reunir, ordenar e processar informação, especialmente pequenos
pedaços de informação, para dar sentido e significado à vida. Nós, como
sociedade, estamos nos tornando cada vez mais parecidos com os
autistas, defende ele. E isso é algo bom. Cowen faz uma radical
reinterpretação do que é ser autista, tratando a questão não como uma
desordem mental, mas mostrando as muitas forças cognitivas dessas
pessoas. Nem todos se beneficiam desse ambiente de fácil acesso e de
grande quantidade de informação, diz o economista, mas muitos sim, e
isso deve ser celebrado.
O lado negativo
O comportamento de atualizar a caixa de e-mail a cada cinco minutos e
seguir compulsivamente as atualizações do Facebook deve, no entanto,
ter algum impacto negativo em nossas vidas, afirmam outros estudiosos.
Nos últimos anos, vários autores vêm discutindo principalmente dois
pontos negativos relacionados à era da internet: a perda da capacidade
de atenção e a superficialidade do conteúdo consumido. O maior expoente
dos críticos da internet é, possivelmente, Nicholas Carr, autor de A
Geração Superficial – O Que a Internet Está Fazendo com os Nossos
Cérebros. O livro, recém-lançado no Brasil, é fruto de um artigo
publicado em 2008 na revista The Atlantic, intitulado O Google Está Nos
Emburrecendo?.
Carr relata a sua própria experiência para explicar como a internet
está impactando nosso modo de pensar. “Não era apenas que eu estava
despendendo muito mais tempo defronte a uma tela de computador. Não era
apenas que tantos dos meus hábitos e rotinas estavam mudando porque me
tornei mais acostumado com, e dependente dos, sites e serviços da net. O
próprio modo como o meu cérebro funcionava parecia estar mudando. Mesmo
quando eu estava longe do meu computador, ansiava por checar os meus
e-mails, clicar em links, fazer uma busca no Google. Queria estar
conectado”, escreve ele.
Ao longo do livro, Carr faz uma defesa, ecoando o teórico Marshall
McLuhan, de que os meios de comunicação modelam o nosso processo de
pensamento. Em síntese: o comportamento de saltar de site em site em
busca de pedacinhos de conteúdo está condicionando nossos cérebros a
receber informações de forma rápida e superficial. O resultado é um
encurtamento no período de atenção e menos chances de termos pensamentos
profundos.
A discussão sobre o impacto negativo da tecnologia não é novo, como
lembra o neurocientista Jonah Lehrer, autor de diversos artigos a
respeito do impacto da internet em nossas vidas. Sócrates, em Fredo,
lamentou que a invenção dos livros levaria ao esquecimento da alma.
“Aqueles que a adquirem vão parar de exercitar a memória e se tornarão
esquecidos; confiarão na escrita para trazer coisas à sua lembrança por
sinais externos, em vez de fazê-lo por meio de seus recursos internos”,
diz o pensador grego, num trecho do livro que foi escrito por Platão.
O nascimento de praticamente todos os outros meios de comunicação que
vieram depois provocou previsões igualmente catastróficas. Para Cowen, a
posição de Carr subestima o fato de que a internet permite às pessoas
acompanhar a mesma história ao longo de muito anos, aumentando o nosso
período de atenção, e não diminuindo. “Por exemplo, se eu quero saber
alguma novidade sobre o meu atleta preferido, ou ainda sobre o meu
economista favorito, ou se desejo me atualizar sobre os debates a
respeito do aquecimento global, o Google me põe lá rapidamente. Antes,
eu precisava de um contínuo envolvimento pessoal para seguir uma
história por anos, mas agora tenho como acompanhá-la de maneira fácil e a
uma distância maior. Às vezes, parece que estou impaciente ao descartar
um livro que, 20 anos atrás, poderia ter concluído. Mas, ao deixar de
lado um livro, geralmente estou voltando minha atenção para uma história
contínua que acompanho na web. Se as nossas buscas às vezes são
frenéticas ou vão em muitas direções, isso acontece precisamente porque
nós temos um grande interesse por algumas histórias contínuas.”
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