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sábado, 17 de março de 2012

Um fenômeno que diz algo sobre o Paraná


Josué Teixeira/Gazeta do Povo
Josué Teixeira/Gazeta do Povo / Nascida há pouco mais de um ano e meio, a dupla Nelson Henrique e  Alexandre, de Guarapuava, é empresariada pela mãe de um deles, que já investiu R$ 250 mil na carreira do doisNascida há pouco mais de um ano e meio, a dupla Nelson Henrique e Alexandre, de Guarapuava, é empresariada pela mãe de um deles, que já investiu R$ 250 mil na carreira do dois

O sertanejo continua rejeitado pelos defensores da cultura caipira, mas tem grande alcance entre todas as classes sociais
As produções de shows de rock ainda engatinhavam no Brasil quando a música sertaneja consolidava seus padrões de grandes espetáculos nos anos 1980 e se tornava um dos estilos mais populares no país – mesmo entre o público de classe média das capitais.
Desde aquela época, as porteiras estão abertas para um estilo dos mais rentáveis, cuja cadeia de profissionalização parece continuar em alta, haja vista o surgimento alucinante de nova duplas sertanejas buscando espaço em casas noturnas especializadas e festivais que são criados em velocidade não menos impressionante.
Onda Teló movimenta música no Paraná
O fenômeno sertanejo no Paraná não é recente. O estado sempre teve tradição nesse estilo mas nos últimos anos, o mercado explodiu, diz o produtor musical Vinícius Braganholo, que trabalha em Curitiba.


  • Esta edição do Caderno G Ideias mostra um pouco deste cenário no Paraná. A partir de Foz do Iguaçu, Londrina, Maringá, Guarapuava e Ponta Grossa, a reportagem buscou histórias de duplas que mobilizam grandes (e necessários) investimentos de dinheiro e energia para seguir a trilha de gente como Michel Teló e Luan Santana.
O ídolo mais recente, de acordo com o antropólogo da Universidade Estadual de Oeste do Paraná (Unioeste) Allan Oliveira, é “a ponta do iceberg” do que define como a manifestação de música popular mais forte do Paraná – a mistura da cultura do Rio Grande do Sul com a sertaneja. Este é o som que tem influenciado a maior parte das duplas no estado. Trata-se de uma música dançante, que mescla o sertanejo romântico com forró, pop e vanerão.
Este último elemento se explica, em parte, pela colonização gaúcha no Oeste do estado, assim como a influência na região de divisa com o Mato Grosso do Sul, também com forte colonização dos pampas. Mas, independentemente das origens, que são difíceis de se mapear, a moda se espalha pelo Brasil e influencia mesmo o interior de São Paulo, como as regiões de Piracicaba e Botucatu, onde predominavam o violão e a viola, de acordo com Oliveira. Uma geração de jovens músicos quer seguir esse fluxo.
Ascensão
A busca pelo sucesso comercial, não é de hoje, desagrada aos amantes da música caipira. Entre eles, está o radialista Maikel Monteiro, para quem essas duplas não têm mais nada a ver com a cultura rural. “Nem gosto de entrar nessa discussão, porque acho que são dois trabalhos paralelos. Caipira é caipira, música romântica é música romântica”, diz Monteiro. “A bronca do caipira com a música sertaneja atual é porque ela é totalmente comercial. E não só pela temática. Hoje não se pode falar em carro de boi, caboclinha com vestido de chita, porque não existe mais isso. Mas se pode falar dos problemas da atualidade, dos amores da atualidade, mas com uma linguagem mais pura”, critica. O violeiro e musicólogo Claudio Avanso segue a toada: “Esse não é um movimento novo, como aconteceu com a bossa nova. As pessoas estão interessadas no dinheiro. São meninos sem experiência, com voz razoavelmente boa, que, sem conhecimento, caem nas mãos da mídia e criam uma música indigesta, que não dura uma semana”, diz o músico. “São jingles para vender as baladas, as cervejas, as roupas, os cintos, as festas de Barretos (SP). De música não têm nada.”
Qualidade à parte, a explosão de duplas sertanejas mostra que, para esses garotos, trata-se de um meio de ascensão social que está em evidência, com grande exposição, de acordo com Oliveira. “É um mercado que sempre existiu, e sempre foi muito aquecido, mas nunca ganhou atenção, porque a música sertaneja sempre teve um valor simbólico baixo”, diz o antropólogo. Este baixo valor vinha do fato de que se tratava de uma música consumida pela fatia mais pobre da população brasileira – realidade que mudou nos últimos 30 anos.
Cultura do passado
Com a ascensão social da música sertaneja, esta cultura foi “apropriada” pelos mais ricos. Daí a mudança das temáticas – antes, pessimista, bucólica, derrotista; agora, orgulhosa, alegre e vitoriosa. “É o ethos da classe média e seus valores, como ter carro e mulheres, ascender socialmente e consumir em excesso”, diz Oliveira.
E, apesar da controvérsia em torno de sua legitimidade, o estilo ainda preserva elementos da cultura do interior. “De alguma maneira, a música sertaneja está ligada à forma de vida de muita gente”, diz Oliveira, para quem o inchaço de migração do campo para as cidades nos últimos 30 anos e as áreas de colonização paulista no Mato Grosso do Sul e em parte do Paraná também explicam o fenômeno. “Há uma grande área cultural caipira nas capitais do centro sul”, diz. “A música sertaneja é uma modernização desse repertório mais antigo.”
Música viva
Para gente como Monteiro e Avanso, que seguem a linha de nomes como Inezita Barroso e Rolando Boldrin, esta modernização cria rupturas. E isso não é novidade. Já nos anos 1940, duplas como Cascatinha e Inhana importavam ritmos como a guarânia paraguaia. Assim também aconteceu quando surgiram Milionário e José Rico e o Trio Parada Dura, nos anos 1970, que importaram gêneros como a rancheira mexicana. “A vertente caipira seguiu outro caminho, pelas mãos de Pena Branca e Xavantinho, Milton Nascimento, Almir Sater e Renato Teixeira”, diz Avanso.
Feita a ruptura, a cultura rural já não teria nada a ver com o que viria a seguir – Chitãozinho e Xororó, Leandro e Leonardo, Zezé di Camargo e Luciano, João Paulo e Daniel, Gian e Giovani, Bruno e Marrone, Rio Negro e Solimões, e por aí afora, até chegar ao chamado “sertanejo universitário” de hoje e todas as referências que absorveu. “Em algum momento, talvez, acharam que usar chapéu e dizer que plantou tomate fosse interessante para angariar o público do interior”, critica Oswaldo Rios, músico do Viola Quebrada.
No entanto, a facilidade com que a música caipira absorveu influências diversas tem algo a ensinar, na opinião de Oliveira. Para o antropólogo, a cultura se constrói e necessariamente se transforma em suas relações com o que vem de fora. “O mesmo debate existe com o tango na Argentina e com o blues nos Estados Unidos, e está em todos os gêneros musicais. A diferença é que essa vertente moderna da música sertaneja tem um apelo mercadológico absurdo”, diz.
Hoje, o sertanejo é urbano, tem poucas referências à cultura rural e seu som é pop. Mas esta é exatamente a razão pela qual é um fenômeno cultural imenso, e não um gueto. “A identidade sobrevive exatamente no contato com outras culturas. Isso mantém a música sertaneja viva.”

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