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Professor de Língua Portuguesa na Rede Estadual de Ensino - Governo do Paraná

terça-feira, 3 de abril de 2012

Um Papa em crise existencial


Divulgação / Moretti e Piccoli: psicanalista e Papa em criseMoretti e Piccoli: psicanalista e Papa em crise
OPINIÃO

O cineasta e ator Nanni Moretti é um artista enigmático. Dono de um senso de humor refinado, autoparódico à la Woody Allen, é capaz de criar comédias sublimes, como Caro Diário, e dramas dilacerantes, a exemplo de O Quarto do Filho, vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes. Mas sem jamais diluir sua marca fundamental: o olhar ao mesmo tempo irônico e desiludido, ainda que por vezes terno, que lança em direção do mundo. Em Habemus Papam, ele o volta em direção da Igreja Católica, algo que já havia feito, em 1985, no longa-metragem A Missa Acabou.

Ainda que, à primeira vista, dê a impressão de se tratar de uma obra anticlerical, iconoclasta, o filme de Moretti não vai nessa direção. Conta, sem deixar de lado a compaixão, a história algo patética do cardeal Melville (o francês Michel Piccoli, em estado de graça), que tem uma crise de pânico quando é eleito Papa e, segundos antes de ser apresentado ao mundo como o novo pontífice, recusa-se a sair ao balcão e a enfrentar a multidão que lota a Praça de São Pedro, no Vaticano.
Moretti ousa ao retratar o Conclave, processo de votação que escolhe o novo Papa, sobretudo como o encontro entre homens idosos de carne e osso que, depois de uma existência dedicada à vida religiosa, seguem com seus temores, ansiedades, vaidades e ambições. Muitos rezam para não serem escolhidos, inclusive. Porque temem não estarem à altura do cargo de sucessor de São Pedro, ou simplesmente não se imaginam o ocupando. O diretor, contudo, não os ridiculariza, ou desrespeita. Apenas os pinta como seres humanos falíveis.
Mas, no caso específico de Melville, a crise desencadeada por sua eleição não é dessa ordem: é ainda mais profunda. No instante em que se vê “abençoado” pela escolha, ele não consegue encontrar dentro de si a força, e não a fé, que precisaria para assumir o posto de Santo Padre. Em questão de minutos, se dá conta de que sua vida não o preparou para chegar até ali. Sente-se só, inexperiente, vazio. Porém, nunca abandonado por Deus. E isso é muito comovente no filme.
Por conta disso que, quando chamado para tratar do novo Papa, mas sem o direito de saber quem ele é, ou muito a respeito da sua história pessoal, que o psicanalista vivido por Moretti tem pouco ou nada a fazer, e passa, ele mesmo, a viver uma crise de identidade. Precisaria falar com o homem Melville, e isso lhe é vedado. Porque, ao aceitar o posto de Sumo Pontífice, o cardeal, cuja nacionalidade nunca é revelada, também terá, em certa medida, de deixar essa dimensão individual para trás. E descobre não ser capaz disso: o poder não lhe cai bem. Isso dá ao filme uma dimensão também política.
GGGG

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