Quatro em cada dez professores de educação infantil no Brasil ainda não têm curso superior. Para educadores, falta de formação prejudica .
O número de professores da educação básica (que reúne os ensinos infantil, fundamental e médio) com ensino superior no país cresceu 7,6% no último ano, segundo dados do Censo Escolar de 2011. Embora o salto seja significativo, considerando o curto espaço de tempo, a quantidade ainda é insuficiente, principalmente na educação infantil. Em creches e pré-escolas, 43% dos docentes não têm diploma universitário, contra 32% no ensino fundamental I (1º ao 6º ano), 16% no ensino fundamental II (7º ao 9º ano) e 6% no ensino médio.
Para especialistas, a falta de profissionais graduados na educação infantil pode comprometer a formação da criança e torná-la um estudante menos interessado e com baixo desempenho. “Convencionou-se achar que para atuar nessa área bastava ser cuidador, mas não é verdade. Educação infantil também é ensino e precisa de professor capacitado, com formação”, diz a professora de Psicologia da Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Clara Brener Mindal.
Licenciaturas
Qualidade do ensino também depende de formação específica
Mas não basta apenas ter curso superior para dar aula. É importante que essa formação seja feita em graduações específicas para a carreira, como licenciaturas e pedagogia. Por causa da falta de professores com essa qualificação no Brasil, é comum que pessoas diplomadas em outras áreas atuem como docentes.
De acordo com dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), Direito e Administração, por exemplo, são o sétimo e o nono cursos a empregarem mais professores na educação básica. “Isso acontece porque os brasileiros veem a carreira de professor como um bico. Ou seja, a pessoa não acha emprego na sua área e vai dar aula para compor renda, pois qualquer um que tenha diploma de ensino superior pode dar aula”, diz o consultor educacional Renato Casagrande.
Mesmo que esses profissionais tenham formação superior e conhecimento técnico, falta formação em didática e, portanto, preparo para dar aula, o que é fundamental para a transmissão efetiva do conhecimento.
Eterno aprendizado
Mas somente as graduações específicas sozinhas não garantem um bom desempenho do professor. Especialistas são unânimes em ressaltar que para manter a qualidade em sala a formação continuada é fundamental e tem reflexo direto na aprendizagem do aluno. “Estudar continuamente é papel do professor. Só que não podemos jogar a responsabilidade de complementar o estudo apenas nele. As instituições devem estar atentas também. Em geral, prefeitura e governo do estado fazem bem isso com a oferta cursos de pós-graduação e capacitação”, afirma o professor de Pedagogia da Universidade Positivo (UP) Celso Klammer.
Melhoria salarial é um incentivo
O Paraná aparece no Censo 2011 como o estado com o maior índice de docentes formados: 90%. Apesar disso, a capital paranaense tem uma quantidade de professores diplomados na educação infantil muito inferior (15,9%) aos que só tem magistério (84,1%).
Mas esta é uma situação momentânea, segundo a diretora do Departamento de Educação Infantil da prefeitura de Curitiba, Ida Regina Milleo de Mendonça. Ela diz que mais da metade dos professores sem ensino superior em creches e pré-escolas já estão fazendo a graduação.
Mas o que leva boa parte dos docentes a se interessar pelo ensino superior durante o exercício da profissão não é principalmente a capacitação, mas o salário. Na capital, quem tem magistério ganha R$ 1.347,59 para 40 horas por semana, contra R$ 2.869,18 dos diplomados.
Tatiane Dembicki, professora de educação infantil da Escola Municipal Vereador Hemetério Torres, de Campo Magro, na Região Metropolitana de Curitiba, se interessou em ter um diploma após sete anos em sala de aula. “Para mudar de cargo, como assumir uma coordenação, por exemplo, precisa ter diploma”, explica.
Magistério
Muitos dos professores sem diploma são os que fizeram o antigo curso técnico de Magistério. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), implantada em 1996, estabelecia um período de dez anos para que esses docentes se graduassem em pedagogia ou licenciatura (Letras, Matemática, Física, Química, História, Geografia e Biologia). Como o prazo não foi cumprido porque as políticas de incentivo não deram conta de formar todo mundo, em 2009 um novo artigo determinou que o Magistério poderia continuar como formação mínima para a educação infantil e os quatro primeiros anos do ensino fundamental (1° ao 6º ano).
Porém, segundo o consultor educacional Renato Casagrande, o magistério não é suficiente para capacitar um docente. Falta aprofundamento de disciplinas teóricas como desenvolvimento cognitivo e psicologia, que são tratadas superficialmente. “O estudante do ensino médio não tem maturidade suficiente para ter a formação que a graduação oferece e nem tem a consciência da responsabilidade que tem em mãos”, completa.
Outra razão para a necessidade de formação do professor para atuar na educação infantil é que é na fase entre zero e 5 anos, quando a criança constrói sua personalidade e sua capacidade cognitiva, que ela vai desenvolver suas competências e habilidades. O que aprende neste período é fundamental para o conhecimento que construirá depois. “Para isso precisa de um bom mediador, alguém que estimule sua capacidade de pensar. Por isso a graduação desse profissional é muito importante, inclusive sua formação humana”, explica a professora de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Mari Ângela Calderari Oliveira.
24,5% dos docentes não têm graduação
Nos últimos 15 anos, o governo federal investiu na formação superior de professores, mas o esforço ainda não foi suficiente. Mesmo com o incentivo de acesso à universidade, como as bolsas do Programa Universidade para Todos (Prouni) e as facilidades para conseguir crédito pelo Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), 24,5% dos professores de todo o ensino básico brasileiro ainda não têm uma graduação.
A explicação é que – além de ainda existir dificuldade de acesso à universidade, principalmente nos estados do Norte e Nordeste, que têm respectivamente 65% e 62,4% de professores formados – a desvalorização da carreira faz com que poucos jovens se interessem em segui-la. “Ser professor não é uma profissão estimulante, não oferece nem uma posição de status nem salários atrativos”, diz a professora Sônia Penin, do Departamento de Educação da Universidade de São Paulo (USP).
Quanto à dificuldade de formação, ela sugere aos professores que têm uma jornada de trabalho extensa, geralmente em dois ou três turnos, e pouco tempo para estudar que optem pelo ensino a distância (EAD). Entre 2000 e 2008, a quantidade de alunos no EAD saltou de 1.758 para 786.718.
Apesar disso, a oferta de cursos de licenciatura e pedagogia a distância nas Regiões Norte e Nordeste é a mais baixa do país, com 73 e 155 graduações, respectivamente. No Sudeste, por exemplo, são 391 cursos. Não por acaso, o eixo Norte-Nordeste tem a menor quantidade de professores formados.
Escolha
Sônia acredita que uma das saídas para alterar esse quadro é, além do aumento dos salários, incentivar os estudantes em fase de escolher a graduação a se tornarem professores. “São políticas públicas que vão atrair as pessoas a seguir a carreira. Em Cingapura, por exemplo, em dez anos o número de docentes aumentou muito porque as escolas passaram a estimular os melhores alunos do Ensino Médio a ingressar na área.”
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