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sábado, 19 de maio de 2012

Resquícios e controvérsias da Ditadura


Ilustração: Osvalter Urbinati Filho
Ilustração: Osvalter Urbinati Filho /
DITADURA EM PAUTA

Resquícios e controvérsias

A criação da Comissão da Verdade incitou novos debates no Brasil sobre o regime militar, discussão que havia desaparecido ao longo dos anos.
O período da ditadura militar (1964-1985) no Brasil voltou para a roda de discussão na sociedade brasileira: a posse dos integrantes da Comissão da Verdade na última semana – depois de seis meses da aprovação da lei – e os protestos de jovens, batizados de “esculachos”, contra agentes ligados à ditadura na segunda-feira passada, são alguns exemplos de movimentos que trouxeram o assunto novamente à tona. Porém, analisando a opinião de especialistas consultados pela reportagem da Gazeta do Povo, é perceptível uma divisão de pensamento sobre a ação da presidente Dilma Rousseff. Há os que acreditam que rever e tornar pública essa história é essencial, e outros creem que esses acontecimentos fazem parte do passado, e a preocupação com os direitos humanos contemporâneos é mais urgente.
Memórias
Confira os depoimentos de algumas pessoas que viveram o período da ditadura no Brasil
“A tortura, bem como o autoritarismo das pessoas que detêm algum tipo de poder, são um legado da ditadura. A falta de transparência dos órgãos públicos é outro ponto, qualquer ditadura trabalha com a ideia de opacidade.”
Glenda Mezzaroba, cientista política e pesquisadora da Unicamp.
“O processo de reconstituição histórica é fundamental para compreensão do país, desde que não esteja desligada do presente. Não vejo esforço em estabelecer ligação entre a tortura praticada pelos militares e a que é feita hoje nos estabelecimentos policiais e prisionais.”
Dennison de Oliveira, professor de História da UFPR.
Reprodução
Reprodução / O Que é Isso, Companheiro?Ampliar imagem
O Que é Isso, Companheiro?
Biblioteca Básica
Conheça alguns títulos que ajudam a compreender a ditadura militar no Brasil:
• O Que é Isso, Companheiro? 
Fernando Gabeira Companhia das Letras. 216 págs., R$ 21,50. Memórias.
Relato do atual deputado federal Fernando Gabeira, que envolveu-se na guerrilha urbana e tornou-se um dos homens mais procurados do país. Originalmente lançado em 1979, a narrativa é uma busca de Gabeira para compreender as suas experiências na luta armada, a militância, a prisão e seu exílio.
• Zero 
Ignácio de Loyola Brandão. Global Editora. 288 págs., R$ 42. Romance.
Considerado um dos melhores romances do século 20 pelo jornal O Globo, a obra é, de acordo com a crítica, a que melhor descreve os anos de chumbo no Brasil. Foi publicado na Itália em 1974 e apenas em 1975 no Brasil. No entanto, o livro foi proibido – atitude que impulsionou escritores a se manifestarem contra a ditadura. Foi liberado em 1979, e já está na 12ª edição.
• A Ditadura Envergonhada, A Ditadura Escancarada, A Ditadura Encurralada e A Ditadura Derrotada 
Elio Gaspari. Companhia das Letras. De R$ 70 a R$ 75,50. História.
Os quatro volumes são fruto de uma extensa pesquisa do jornalista e retratam fatos marcantes como o golpe de 31 de março de 1964, a deposição de João Goulart, a Guerrilha do Araguaia, O Ato Institucional Nº 5, entre outros. Mais do que isso, os volumes explicam as crises dentro do regime e o fim do governo de Ernesto Geisel, em 1979.
• 1968 – Ditadura Abaixo 
Teresa Urban. Quadrinhos de Guilherme Caldas. Arte & Letra. 252 págs., R$ 40. HQ. 
O livro retrata o movimento estudantil em Curitiba usando o formato de histórias em quadrinhos, maneira encontrada pela autora de transmitir a história aos seus netos e, por consequência, para outras crianças. Mostra o cotidiano vigiado, a censura e uma constante busca pela liberdade de aprender e opinar dos jovens que viveram a ditadura militar.
Nesta semana, uma das integrantes da Comissão da Verdade, a advogada Rosa Maria Cardoso da Cunha, declarou não considerar impossível que o país reveja a Lei da Anistia (de 1979), que perdoou crimes políticos, possibilidade logo descartada pela própria presidente. O texto da lei foi considerado válido pelo Supremo Tribunal Federal em um julgamento em 2010, mas a Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) não aceita a interpretação, e afirma que não é empecilho para que agentes sejam responsabilizados. “O Brasil deveria responder à OEA em um ano. Até hoje, nada foi feito”, ressalta a psicóloga e vice-presidente do grupo Tortura Nunca Mais RJ, Cecilia Maria Bouças Coimbra.
Para ela, a lógica seguida dentro da Comissão da Verdade não será de punição, mas de responsabilização, interpretação apoiada pelo Tortura Nunca Mais. Entretanto, a entrega do relatório final (que será encaminhado ao Arquivo Nacional para integrar o projeto Memórias Reveladas), crê Cecilia, deveria ir ao Judiciário, acredita. “O que tivemos no período de 1964 até 1985 foi terrorismo de Estado, tortura como instrumento oficial do Estado brasileiro. A comissão não poder ir somente até a página 10 desta história.”
Interpretação
Membro da ONG Desaparecidos Políticos, Criméia Alice Schmidt Almeida, que foi integrante da Guerrilha do Araguaia (movimento guerrilheiro na região amazônica, criado pelo Partido Comunista do Brasil) acredita que há uma leitura errônea na lei, de “autoanistia”. “O ditador faz o que bem entende e depois faz uma lei para ficar anistiado. É cômodo”. Segundo o professor de História Dennison de Oliveira, da Universidade Federal do Paraná, que desenvolve uma pesquisa sobre filmes brasileiros que retratam o regime, os militares “tomaram o cuidado de impor uma lei que os pusesse a salvo de responder seus crimes em um futuro contexto democrático.” Apesar disso, revisá-la ou aboli-la não é um bom caminho. “Isso pode revelar dois lados. Se for possível processar torturadores, também será possível processar membros da luta armada travada pela esquerda. A palavra anistia tem origem grega, e remete ao esquecimento. Em disciplina de História, nada poder ser esquecido. Mas, em uma sociedade complexa como a nossa, faz sentido não cultivar antigos ódios.” Para ele, a comissão não deve avançar consideravelmente nas buscas. “A verdade está em livros, filmes e documentos há décadas. O tema é intensamente dramático, passional e muito provavelmente, será tratado de forma subjetiva.”
Coordenador do Centro de Pesquisas Estratégicas da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Ricardo Vélez Rodrigues é contrário ao fato de os nomes terem sido indicados pela presidente. “A verdade histórica é patrimônio da nação e não pode ser sonegada. Somente os regimes totalitários se arrogam o direito de reescrever a história. Mas, uma comissão instaurada pelo governo e com figuras nomeadas por ele, certamente não é a melhor forma de indagar.” Já a cientista política, pesquisadora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e especialista em Justiça de Transição, Glenda Mezzaroba, é otimista. “A comissão fará um trabalho digno e edificante, tenho certeza que o relatório será tornado público, o texto da lei prevê uma ação conjunta com autoridades competentes. Esse descrédito me incomoda, é um pensamento que entra na lógica de impunidade da ditadura.”
Sobras
A prática difundida da tortura, a truculência policial, a falta de transparência dentro de órgãos públicos e um certo esquecimento da história do governo repressor são alguns dos resquícios do regime que insistem em permanecer, e que deixaram no Brasil uma cultura de violência e impunidade. No artigo “Tortura e Sintoma Social”, um dos textos do livro O Que Resta da Ditadura (Boitempo), organizado por Edson Telles e Vladimir Safatle, a integrante da Comissão da Verdade e psicanalista Maria Rita Kehl diz que o ressentimento ficou presente nas pessoas que recuaram sem lutar e perdoaram sem exigir reparação. E que o esquecimento da tortura é um “grave sintoma social no Brasil”, o que reflete na repetição de barbáries. Para o filósofo Edson Telles, um dos organizadores da obra e que foi preso aos 4 anos de idade junto com os pais, militantes do Partido Comunista, a ditadura brasileira encontrou maneiras de se manter. “A estrutura das Forças Armadas e da segurança pública no Brasil é quase a mesma dos anos de ditadura. As PMs continuam agindo com truculência, sendo cotidianamente denunciadas por violações de direitos. Nossa polícia é a que mais mata civis na América Latina”, salienta.
Telles lembra que há pouco tempo ainda havia uma lei de imprensa cerceadora, mas que o maior malefício deixado pela ditadura é a prática de tortura, “disseminada nas delegacias e presídios.” Outra postura recorrente hoje que é vestígio da época, diz Glenda, são alguns clichês de que no regime militar não havia corrupção, ou que os direitos humanos “defendem bandidos”. “É um legado e um ranço que existe, que ocorre porque não fizemos um trabalho de memória, patamar que irá mudar com a comissão. A corrupção existia na ditadura, mas não era conhecida, ao contrário da democracia atual.” O tabu para falar do tema também permanece, sobretudo nas gerações que viveram o período. “Percebo que elas são temerosas e receosas. Só estamos conseguindo lidar com isso com a renovação das gerações.”
A postura de alienação presente na época, sobretudo dentro da classe média, empolgada com o bom momento econômico, ainda é perpetuada. A despeito do debate recente, ao longo dos anos, o assunto frequentemente é deixado em um plano menor. O professor Dennison de Oliveira crê que essa atitude se deva a uma questão da escala – se compararmos o número de mortes no Brasil (cerca de 500), com os assassinatos no Chile (19 mil) e na Argentina (30 mil). “Felizmente, não ocorreu no Brasil a matança dos países vizinhos. Mas, para quem foi torturado, falar em ‘ditabranda’ é inaceitável. Mas, muito pior é comparar a ditadura com a atual ‘democracia’. Nunca antes o Brasil teve um problema tão grave de direitos humanos quanto hoje, com mortes pela PM, ocupação militar de áreas inteiras na infâmia das UPPs e UPS e imposição de toque de recolher, cínico desrespeito aos direitos legais do cidadão.”
O procurador do Estado do Paraná e professor da PUCPR, Carlos Frederico Marés de Souza Filho, que ficou exilado durante 10 anos, diz que o Brasil não fez sua “lição de casa”. Mas, que é melhor existir uma comissão que ele considera “tardia”, do que nenhuma, e que o processo pelo qual o país passa, com a volta do assunto, ajudará o Brasil a reencontrar sua identidade. “Tivemos esse movimento no começo do século 20, com a Semana de Arte Moderna, mas a ditadura afastou. Nossa ditadura não foi mansa, e não devem ser usados eufemismos para falar sobre ela.”
CADERNO G | 3:52

Depoimento de quem viveu a ditadura

Carlos Frederico Marés de Souza Filho, procurador do estado do Paraná, conta como foi a juventude durante a ditadura e conta um pouco de como foi o período de exílio

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