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segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Depressão pós-parto ainda é tabu



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SAÚDE MATERNA

Depressão pós-parto ainda é tabu

Falta de informação sobre os sintomas da doença e formas de tratamento potencializam um mal que atinge até 15% das mães.
Um julgamento ocorrido no mês de outubro na Inglaterra expôs um drama familiar que ainda divide qualquer sociedade: o assassinato, em maio, de duas crianças (um bebê de 10 semanas e uma menina de um ano e dois meses) pela mãe, que sofria de psicose pós-parto. A mulher, a designer de joias Felicia Boots, foi absolvida pelo juiz, que julgou sua prisão “totalmente inapropriada”, e internada em seguida, gerando protestos de um lado e apoio da comunidade médica de outro.
A história, várias vezes acompanhada também no Brasil, envolve um tema que ainda é tabu: quando a mãe, contrariando a imagem idealizada da maternidade, rejeita sua própria criança por conta de problemas psiquiátricos desencadeados logo após o parto. Com receio de admitir a doença, e sem saber como tratá-la, a família vê um caso que poderia ser evitado se transformar numa tragédia.
Falar do problema com o médico é fundamental
Após o episódio de infanticídio na Inglaterra, autoridades médicas e mídia alertaram para a necessidade de divulgação de maior esclarecimento sobre o assunto, para que mulheres que possuem histórico de depresão e transtornos de humor passem tal informação ao obstetra e a equipes de saúde quando engravidam. O pré-natal é importante e deve ser incentivado pela família quando a própria mulher é negligente neste aspecto, pois até mesmo pequenas atitudes dela podem ajudar o médico a perceber se ela está depressiva ou tem tendência a desenvolvê-la. "A mãe nos dá dicas, como o asseio, a aparência, se ela curte e mostra a gravidez para os outros, se ela chora do nada", enumera o obstetra Sheldon Botogoski.
Os familiares e amigos também devem ser orientados a encarar o tema sem discriminação ou pânico. "Percebo que já é um grande alívio quando as mulheres veem que seu parceiro procura entender o que está se passando com ela. A percepção de apoio por parte dele pode ser, inclusive, um fator de proteção para este transtorno", acrescenta o diretor do Programa de Saúde Mental da Mulher da Universidade Federal de Pernambuco e membro da Associação Brasileira de Psiquiatria Amaury Cantilino.
O psiquiatra afirma que mulheres com depressão precisam contar com a ajuda do companheiro e de parentes para cuidar do bebê, uma vez que ter um sono agradável e sem interrupções pode ser inclusive terapêutico. Cantilino também lembra que é importante acompanhar esses bebês para que não venham a desenvolver transtornos cognitivos e afetivos decorrentes do menor contato com a mãe e até de episódios traumáticos ocorridos nesse período.
Tratamento
Falta consenso sobre efeito dos remédios durante a amamentação
Não há consenso entre os médicos sobre os riscos de se tomar antidepressivos ou anti­psicóticos durante a amamentação, mas todos são unânimes em afirmar que a mulher que sofre de depressão ou psicose pós-parto não pode abrir mão da medicação quando essa é recomendada pelo médico, como fez a mãe inglesa. Buscas feitas no computador de Felicia Boots mostram que ela fez dezenas de pesquisas sobre o assunto semanas antes de matar os dois filhos.
O psiquiatra da clínica Úniica (Unidade Intermediária de Crise e Apoio à Vida) e professor da UFPR Élio Mauer afirma que as taxas dos remédios encontrados no leite materno e até mesmo na placenta são insuficientes para causar dano ao bebê ou prejudicar a relação entre mãe e filho. No caso de a mulher precisar utilizar o remédio durante a gravidez, é importante que o faça após o terceiro mês de gestação, para evitar más-formações.
Já o psiquiatra e professor aposentado da UFPR José Crippa diz que o bebê pode ficar mais irritado, ansioso e chorão por causa dos medicamentos, e que o ideal é suspender a amamentação, pelo bem da mãe e do próprio filho, que pode vir a ser agredido. “É uma briga entre o pediatra e o psiquiatra, porque esse medicamento pode causar alterações no humor da criança. Por isso, é preferível que o filho tenha uma amamentação artificial”, diz.
Estado Puerperal
É o estado após o parto, por qual passam todas as mulheres, quando o corpo ainda não voltou às suas condições normais. A jurisprudência brasileira considera, para fins de análise do crime de infanticídio, esse período até 15 dias após o parto. Para a Medicina, porém, o estado puerperal pode se prolongar de 40 a até 60 dias após o nascimento.
A primeira desinformação ocorre na tipificação da doença – há diferenças entre a tristeza, a depressão e a psicose pós-parto, nas quais a mudança hormonal que ocorre após a expulsão da placenta pelo útero tem um papel relevante (veja box). A primeira atinge até 80% das mulheres e se explica pelos desafios e estresses da nova fase, desaparecendo em até 15 dias. São os dois outros casos que preocupam e precisam ter acompanhamento psiquiátrico, com prescrição de remédios.
“A depressão pós-parto atinge cerca de 15% das mulheres e gera um sentimento de rejeição da criança junto com episódios típicos de depressão, como tristeza, ansiedade, choros e pensamentos negativos”, explica o ginecologista e professor da Universidade Federal do Paraná Sheldon Botogoski. O quadro é comum em pacientes que já têm histórico da doença e, ao contrário do que se pensa, na maioria dos casos somente as mudanças hormonais não são suficientes para disparar o gatilho do problema.
Já a psicose, que atinge 0,2% das mães, é ainda mais grave. “É quando a mulher tem alucinações, ouve vozes, cria diálogos que não aconteceram, vê um ladrão imaginário entrar na casa dela. É bem raro e necessita de internação e medicação”, explica o ginecologista e obstetra da Maternidade Santa Brígida Gleden Teixeira Prates. É nessa situação que podem ocorrer os infanticídios, crime hoje punido com internação, já que a Medicina e o Código Penal consideram que a mãe não tinha ciência nem intenção de cometer o ato.
Para a lei brasileira, infanticídio não pode ser punido com prisão
Casos como o da inglesa que matou os dois filhos já se repetiram no Brasil, e, caso se prove que a mãe cometeu o crime por estar sob a influência do "estado puerperal" e com suas faculdades mentais comprometidas, ela se torna ininputável. Neste caso, sua pena é uma medida terapêutica, chamada também de medida de segurança, quando, ao invés de ir para a prisão, ela é internada em um Complexo Médico Penal.
O Código Penal de 1940 prevê, no seu artigo 123, o crime de infanticídio, lá descrito como "matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após". O estado puerperal é algo pelo qual passam todas as mulheres -- é o estado após o parto, quando o corpo ainda não voltou às suas condições normais. Se as alterações durante este período são tamanhas que a façam matar o filho recém-nascido, há duas situações que serão examinadas pelo perito, de acordo com a legislação.
A advogada criminalista e professora de Direito Penal da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Priscilla Placha Sá explica que, se a mulher mata o filho neonato influenciada pelo estado puerperal, ela será julgada por infanticídio, mas que nem sempre a mulher será absolvida por seus atos. "Nem todo caso de infanticídio é um caso de inimputabilidade, só se houver comprometimento de seu discernimento", esclarece.
Se, sob o estado puerperal, ela matar o filho mas ainda mantiver seu discernimento, pode ser condenada a uma pena de prisão que varia de dois a seis anos. Se este discernimento estiver comprometido, ela se torna inimputável e é internada por um período mínimo de um a três anos. Para os casos em que ela também mata o filho mais velho ou o marido, por exemplo, o crime é de homicídio simples, mas a imputabilidade continuará a depender do comprometimento de suas faculdades mentais.
A professora explica que há dificuldades para atestar se a mulher estava ou não comprometida por este estado, e quanto tempo ele dura. A jurisprudência tem considerado até 15 dias após o parto, mas a medicina fala em 40 ou até 60 dias após. Outro problema, de ordem legal, diz respeito ao tempo em que a mulher fica internada.
"A Lei Antimanicomial, de 2001, preconiza que essas pessoas não deveriam ser internadas, mas tratadas ambulatorialmente e liberadas para ir para casa, mas não é isso o que acontece, via de regra. E o problema da medida de segurança é que ela não tem prazo máximo, apenas mínimo (de um a três anos). Há casos de pessoas que ficam internadas 30 anos", critica Priscilla.

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