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Curitiba antiga: diligências ligavam às cidades dos Campos Gerais, às quais se chegava em quatro dias de viagem, com pernoites e trocas de cavalosE os cocheiros descobriram o Brasil
No tempo das diligências, abastados usavam o coche para visitar o rei. A caminho, descobriam paisagens luxuriantes e alargavam fronteiras do país.
Foi por causa do ego do rei Dom João VI que o primeiro transporte público de pessoas foi criado no Brasil. Em 1817, por aviso régio, surge a primeira linha feita por diligência no Rio de Janeiro, para uma condução mais cômoda àqueles que quisessem ter a honra de beijar a mão de Sua Alteza. A linha levava as pessoas do centro do Rio aos palácios da Boa Vista, no bairro São Cristóvão.
A facilidade de locomoção impressionou tanto que, depois disso, os mais abastados largaram mão de viajar a cavalo e começaram a contratar o serviço de diligências para percursos mais longos. “A disputa dos passageiros era pelo lugar ao lado do cocheiro, pois do alto da diligência era possível ter uma visão panorâmica das regiões por onde se viajava”, explica o historiador Arnoldo Monteiro Bach que acaba de lançar o livro Diligências. Ele é autor de outros livros que falam do transporte no Brasil como Carroções, Vapores e Trens.
No Paraná
Giovanni Rossi chamou diligências de “carroças”
Foi graças às diligências que os anarquistas, ao chegarem ao Paraná, de trem, no século 19, conseguiram chegar a Palmeira, onde fundariam a Colônia Cecília. Giovanni Rossi, líder dos anarquistas, descreveu a viagem em um de seus relatos e chamou o veículo de “instrumento de tortura”. O historiador Arnoldo Bach conta esse episódio em seu livro Diligências. “Era um troler, que aguentava as viagens pelas estradas esburacadas do interior. Rossi dizia que as diligências do Brasil em nada se pareciam com as europeias. Chamou-as de verdadeiras carroças”, conta Bach.
Além de sofrer com o sacolejar da viagem, Rossi e os anarquistas tiveram a ingrata surpresa de ver a diligência quebrar no meio da viagem, por isso tiveram de fazer o restante do percurso a pé. “Andaram com velas nas mãos, porque era noite, e com as calças erguidas até o joelho, porque estavam sujos de tanta lama”, conta Bach.
A dificuldade de se chegar até o rei para simplesmente lhe beijar a mão era grande: as carruagens puxadas por quatro cavalos saíam do Centro às 4 horas da madrugada e chegavam à Fazenda Real às 9h30, após quatro mudanças de cavalos durante o trajeto. A volta também era sofrida: partia-se às 17h30 para se chegar ao Centro às 22h30. Em 1849, jornais noticiavam que nenhuma diligência havia restado nas cocheiras, porque todas estavam empenhadas em levar a população aos bailes ofertados pela família real.
Dias e dias
No Paraná, a primeira linha ligava Curitiba a Castro, passando por Campo Largo, São Luiz do Purunã, Palmeira e Ponta Grossa. Gastava-se quatro dias para se vencer o trajeto e havia duas pernoites: uma na Casa de Estrela, em São Luiz do Purunã, e outra em Palmeira. “As estalagens eram referência para as viagens, pois ali ocorria a troca de cavalos e as pessoas podiam descansar”, conta Bach.
A segunda linha ia de Curitiba à Lapa, passando pela cidade de Iguaçu (atual Araucária). O historiador lembra que as diligências começaram a ser usadas no estado graças a João José Pedroso, o primeiro paranaense a assumir a presidência da província.
Em Curitiba, as diligências foram usadas também para a população se locomover pela cidade. Havia nove cocheiras (que era o espaço onde ficavam os cavalos e as carruagens) e a Estação Central das Diligências ficava na Rua Marechal Deodoro. Em 1880, com a vinda de dom Pedro II ao Paraná, foi graças às diligências que o imperador conseguiu se locomover pelo estado. “Elas também serviam para levar as pessoas à ferrovia. É importante lembrar que os trens chegaram ao Paraná em 1894, mas muitas cidades ficaram incomunicáveis com a ferrovia e as pessoas, então, só conseguiam chegar até lá com as diligências ou andando a cavalo”, explica Bach.
Pioneiras
As primeiras diligências surgiram na Europa, principalmente na Inglaterra, por volta de 1670. Ganharam fama quando o ex-presidente norte-americano Thomas Jefferson comprou da França a região de Louisiana e ali resolveu instalar diversas estalagens. “Tempos depois, o cinema viu que a região seria um grande filão para as cenas dos filmes do Velho Oeste”, conta o historiador Arnoldo Bach.
Em Pelotas
Assim que se encerrou a Revolução Farroupilha, em 1845, o francês Carlos Ruelle estabeleceu em Pelotas a primeira fábrica de carruagens da região. O imperador dom Pedro II fez questão de conhecer a fábrica, motivado, provavelmente, pela boa impressão do local expressa pelo conde D’Eu, marido da princesa Isabel, no livro, Viagem militar ao Rio Grande do Sul, escrito em 1865: “Carruagens esplêndidas percorriam as nossas ruas, largas e bem alinhadas, constituindo-se num fenômeno único em toda a província e transmitindo a ideia de uma população opulenta.”
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